Ouvi, outro dia, um crítico de arte afirmar que é um equívoco opor-se ao conceito de “arte efêmera”, uma vez que ela representa a mais autêntica atitude do artista plástico contra o poder do mercado. Como também já defendi esta tese uns 20 anos atrás, dispus-me a reexaminar a questão, já que ela hoje me parece pouco consistente.
A tese do crítico se baseia no fato de que uma instalação, por exemplo, diferentemente de uma escultura, é montada em caráter provisório numa galeria ou numa bienal e depois desmontada. Outro exemplo, uma performance, ainda mais que a instalação, é mero acontecimento. É fugaz por definição, como no caso do artista que, no dia do vernissage, em vez de expor suas obras, vestiu-se de garçom e ficou servindo cafezinho aos convidados. Nem a instalação e muito menos a perfomance podem ser comprados e, por isso, estão fora do mercado.
A pergunta que se faz é se “estar fora do mercado” é um valor artístico
por si mesmo? Não, dirá o crítico, mas é uma atitude ética em defesa
dos valores estéticos e em contraposição ao valor mercadológico. Ou
seja, a arte efêmera quer manter a pureza da arte, impedindo-a de que se
transforme em mercadoria. Se aceitamos esta tese como verdadeira,
teremos de concluir, obrigatoriamente, que toda a arte – à exceção da
arte efêmera – não passa de simples mercadoria.
Examinemos o problema mais de perto. O mercado moderno de arte surgiu
provavelmente na segunda metade do século 19, quando os primeiros
impressionistas romperam com a arte acadêmica consagrada no Salão
Oficial que, ao premiar este ou aquele artista, atribuía valor comercial
a suas obras. Ao se rebelarem contra ele e criarem o Salão dos
Recusados, os jovens artistas, sem o saber, exigiam que esse valor fosse
determinado, não por um júri oficial, mas pelos amadores de arte, pelos
colecionadores, ou seja, pelo mercado. Isto pode parecer estranho e até
mesmo irônico, mas é perfeitamente lógico, uma vez que a criação do
livre mercado vinha favorecer a aceitação da nova pintura que o Estado,
representado pelo júri oficial, não aprovava. Não foi por acaso que os
principais compradores da nova pintura eram colecionadores
norte-americanos, menos presos à tradição acadêmica européia e também
dispostos a correr o risco de investir em novos talentos. Esta é a razão
por que uma boa parte das obras impressionistas – senão a maior parte –
não se encontra na Europa, mas nos museus e coleções particulares dos
Estados Unidos. Na etapa posterior, já no começo do século 20, os
marchands europeus despertaram e passaram também eles a adquirir as
obras modernas.
Mas isto nos autorizaria a afirmar que Manet, Monet, Renoir ou Cézanne
pintavam para o mercado? Que a verdadeira origem da revolução estética
que deu nascimento à arte moderna foi a busca do mercado? Obviamente
não. Os artistas citados, bem como os que os seguiram, estavam
fundamentalmente entregues à necessidade de criar uma nova pintura, uma
nova linguagem artística que fosse a afirmação de sua presença na arte e
a sua contribuição ao mundo moderno que despontava. Até que surgissem
compradores para suas obras, muitos deles enfrentaram dificuldades e
privações. O mercado nasceu em função deles mas isto não estava em seus
planos nem eles pintavam para ele.
Isto não quer dizer que, no decorrer dos anos, o mercado, na medida mesmo em que se fortaleceu e se impôs, não passou a exercer influência sobre a produção artística. Deve-se, no entanto, observar que essa influência tanto foi negativa quanto positiva, já que, se tentava orientá-la no sentido de atender ao gosto dominante no momento, ao mesmo tempo assegurava ao artista condições para trabalhar sem outra preocupação que não fosse realizar suas obras. Creio mesmo que o papel do mercado foi muito mais positivo que negativo, senão por mérito dele, mas pela resistência do verdadeiro artista de abrir mão de sua liberdade criadora. Aliás, pelo testemunho dos próprios artistas, sabe-se que os grandes marchands, como Durand-Ruel e Daniel-Henry Kahnweiller, eram na verdade entusiastas da capacidade inovadora dos artistas, mesmo porque sabiam que só teriam a ganhar com isto. De qualquer modo, ninguém pode imaginar que um mestre como Giorgio Morandi, ao pintar suas magníficas naturezas-mortas, tivesse em mente a aprovação dos donos de galerias.
Se meus argumentos são aceitáveis, como fica então a tese de que o
valor da arte efêmera está em excluir-se do mercado? Parece-me mais
plausível entender esse tipo de arte como o resultado inevitável de
certas experiências de vanguarda que, ao longo do século 20, vieram
desintegrando as linguagens artísticas até chegar à eliminação dos
suportes e da própria obra enquanto coisa permanente e durável. Creio
ser isto bem mais plausível, mesmo porque não é verdade que a arte
efêmera esteja fora do mercado. Na verdade, participa dele de uma outra
maneira.
Assim, por exemplo: certa vez, fui a uma galeria que expunha uma
instalação constituída de uma grande massa de bronze desfiado. Indaguei
ao funcionário da galeria o preço da obra e ele me disse que ela não
estava à venda, mas que havia ali outras obras do artista que eu poderia
comprar. E mostrou-me uma série de desenhos e guaches, que nada tinham
de efêmero.
Outro exemplo – este bem mais notório – relaciona-se com a conhecida
instalação realizada por Chistus e que consistia em quatrocentos
guarda-sóis de grande tamanho, instalados 200, de cor azul, na
Califórnia, e outros 200, de cor amarela, numa praia do Japão. A
novidade consistia em que todos eles se abririam a um só tempo. Estava
esta experiência fora do mercado? Claro que não, porque o evento foi
patrocinado por empresas com ampla cobertura da mídia. Fora isto, os
estudos realizados pelo artista, para aqueles guarda-sóis, foram postos à
venda logo em seguida. Um deles esteve exposto aqui no Rio, no Museu
Nacional de Belas Artes, integrando uma exposição de artistas
contemporâneos. Custava a bagatela de 60 mil dólares, se bem me lembro.
Fonte: Revista Continente Multicultural: www.continentemulticultural.com.br
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