- A ARTE E SUA FUNÇÃO NA HUMANIDADE
 
   
Há sinais de manifestação artísticas na construção das favelas que devemos valorizar como elementos da construção da consciência 
estética como por exemplo, o aprendizado de fazer e alinhar os barracos 
nos acampamentos, ou a organização das filas nas marchas. São aspectos 
que representam o gosto pela beleza e a criatividade de demonstrar para a
 sociedade os aspectos bonitos da organização.           
    Os materiais didáticos que recorrem à ciência e à técnica para serem 
elaborados, demonstram o aspecto consciente da arte que a militância 
desenvolve.
    Mas é na mística que se revela a sensibilidade artística 
de milhares de pessoas, fundamentalmente quando se usa o teatro como 
forma de expressá-la. “O teatro reinventa o homem, apresenta-o e faz da 
existência uma contínua criação”.
      Há um prazer incontido em 
representar a história que trás em si a “gabolice” do caipira, que sem 
deixar de mostrar suas deficiências, nunca perde, porque quando o conto 
está ameaçado, recorre aos sonhos para antecipar a realidade que deseja 
construir.
     Retrata-se a dor, a morte e o sofrimento, mas a dinâmica 
da peça da vida, apresenta a solução final vitoriosa quando, 
simbolicamente, expulsa o imperialismo, derruba as cercas, põe comida 
farta sobre a mesa para que todos participem do banquete, e, usando 
todas as cores, desenha o raiar do sol do socialismo.
    Esta mística que forja o arquétipo (modelo) de um novo sujeito histórico, 
arquiteto dos próprios sonhos, precisa conduzir para uma permanente 
encenação real, de figurantes que se transformam em artistas, na  
cooperação do trabalho, na participação das decisões políticas, no 
embelezamento do espaço geográfico, nas relações afetivas, na diversão e
 na festa. 
    Além do mais, essa capacidade de criar e 
encenar, deve sair dos encontros e se reproduzir no local onde as 
pessoas que vão aos encontros vivem. Porque é possível fazer uma 
encenação por dia em um encontro e, as mesmas pessoas não conseguem 
fazer uma encenação por mês em seu  assentamento?
     É 
porque, para criar precisa-se de liberdade. Precisamos libertar o que 
está preso dentro das pessoas que evitam expor-se diante dos seus 
iguais, por isso é mais fácil soltar-se diante dos “desconhecidos”. Mas 
por outro lado é preciso ajudar a criar. A encenação para nós não é um 
faz-de-conta, são sonhos virando realidade. Só  o exercício treina.
    Nossa arte vai além das belas artes ( música, poesia, teatro,
 dança, arquitetura, pintura e escultura)  liga-se à vida e a utopia 
socialista. Precisamos levar a matéria de Educação Artística para fora 
das escolas. Por que somos antigos espectadores que se transformaram em 
“artistas” da própria história.
    É preciso abrir-se para a
 sensibilidade, eliminar os preconceitos e os complexos reprimidos para 
não somente libertar a arte, como também  a cultura e o ser humano.
     Para que isso aconteça precisamos evoluir no pensamento 
filosófico do que representa esta transformação, do jeito de produzir 
nossa existência
- REPRESENTAR-SE A SI PRÓPRIOS
 
   
Há uma tese de José de S. Martins, analisando a música sertaneja, onde diz que,
  o caipira sempre foi representado: “... não é o verdadeiro caipira 
quem compõe e canta. Cada compositor e cantor procura adequar-se á 
imagem do caipira, fazendo de conta que é caipira”.
    Não! O lote e a desorganização não podem ser
 mais fortes que o anseio e a mística para destruir em poucos dias este 
artista da política, que prefere encolher-se e delegar aos outros o 
direito de representá-lo. Por que volta a ser espectador se a pouco era o
 próprio artista?
Os poucos que representam, passam a substituir os milhares de sujeitos em algumas áreas
 necessárias para o consumo interno  como, a música e a pintura.  
Voltamos então a entender a arte com o   estreito conceito de ser 
somente música e pintura.
    Isso pode ser ainda pior do que
 “representar o caipira”. Abandona-se o seu potencial de criatividade e 
acompanha-se a indústria de consumo, preenchendo este oco deixado pela 
música raiz, moda de viola,  catira, reisado, forró etc.,   com o Regae o
 Funk ou o “sertanejo pop” como se fossem ritmos mais revolucionários. 
As verdadeiras raízes musicais  nascidas no campo, quase sempre são 
alimentadas, por cantores informais nas “periferias” dos encontros e 
reuniões, que sem incentivo para subirem ao “palco”, protestam a seu 
modo, com suas gargantas empoeiradas e dedos lanhados que arrancam das 
cordas o que aprenderam de ouvido.
   É por isso que a 
música,(mesmo sendo o aspecto de maior desenvolvimento) , 
está  deixando de ser arte, no sentido que disse Rosa ao entrevistar 
João Pacífico,  caracterizando a mudança de instrumentos, ritmos e 
conteúdos “... a música deixou de ser arte, expressão da alma do povo 
para se transformar numa industria gigante... A esta altura o capiau já 
perdera a ingenuidade e a roça, o encanto”
    É nesse 
contexto que ao mesmo tempo que parecem perderem a ingenuidade, os Sem 
Terra, perdem também as raízes culturais. Pela falta de disposição para 
resgatá-las e, por não ter nome e fama, valoriza-se pouco àqueles que 
com seus velhos instrumentos, poderiam representar-se a partir do lugar 
onde vivem, e não ser representados por àqueles que os representam com 
os olhos, os hábitos e os vícios  da cidade.  
    A 
valorização daquele  “que ainda espera por acontecer” passa pela 
valorização e mudança de método com aqueles já “acontecidos”. É 
desgastante e pouco furtífero, levar cantores nossos a deslocarem-se por
 longas distâncias, para cantarem músicas já “batidas” e algumas com 
mensagens ultrapassadas, que a própria massa já canta sem 
acompanhamento. A estes cabem programações mais intensas onde se busque 
descobrir novos aspectos do trabalho de base, como já dissemos em outras
 ocasiões, da valorização da noite, da fogueira e daqueles que já não 
tem condições e nem vontade de participar de eventos. Assim nossos 
cantores obrigam-se a ir além da animação, mas buscar elementos para 
tornarem-se “maestros” que regem o aprendizado e deixam sementes 
geminando no campo da arte quando vão embora.
   Esta 
iniciativa passa também pela valorização dos cantores, poetas, 
escultores, animadores etc. locais, para que dinamizem através da arte o
 desenvolvimento da consciência estética.
     Por isso é de 
fundamental importância o que o Mineirinho vem fazendo em São Paulo, 
onde procura,  não só resgatar a viola, mas os sons e o conteúdos 
produzidos por ela na cultura regional.
    No alto clero da 
música brasileira, fala-se em “Turner” com espetáculos montados. Não é o
 nosso caso, mas é fundamental implementar o método de montar 
espetáculos sobre a própria realidade com grupos de animadores da 
cultura no próprio estado. Não existe somente o militante da política, 
existe também o militante da arte que se transforma em política da: 
música, poesia, teatro, pintura, escultura. Fala-se em festivais e 
“Mostras”   nacionais, são boas iniciativas, mas há um espaço enorme 
para o indivíduo “se mostrar” ali próximo de onde vive. Muitas dúvidas 
de encaminhamentos acontecem porque as idéias avançaram muito além da 
prática e da realidade concreta. É preciso fazer as pernas apressar-se 
para acompanhar a cabeça.
   (...) A música teve, por necessidade de recreação, incentivo e
 tolerância maior. Mas este espaço conquistado pela música não faz juz à
 sua qualidade no momento presente. Podemos dizer que, a música cavou 
seu espaço e alguns se acomodaram 
    Circula em torno de sua própria 
ordem e não sobre a ordem da necessidade que a organização tem, de 
destapar os desafios e elevar a motivação para buscar sua superação. 
     Arte  não é imitar nem copiar, é criar, como disse José Martí: “Reproduzir não é criar, e criar é o dever do homem”
   Então o espaço conquistado deve ser ampliado e qualificado. Não  
somente criar letras (que no momento estão aquém das necessidades) mas 
ritmos que resgatem as raízes e valores morais. Enfim, imprimir arte 
nesta área.
   Avançaremos quando as peças de teatro forem 
escritas e menos improvisadas nas místicas dos encontros. Quando as 
crianças em concursos semanais de pintura, modificarem a aparência da 
escola. Quando as letras das músicas contribuírem para a mudança de 
comportamento. Quando os adultos valorizarem a beleza como parte 
constitutiva da vida.    
    Enfim, quando cada um assumir a 
responsabilidade de que é arquiteto da própria existência e cada área 
conquistada tornar-se uma escola de valorização e formação de artistas 
revolucionários.
    Todas as produções artísticas se mantém 
atuais quando a vida não consegue passar adiante das mensagens, das 
palavras, dos traços e dos valores de um povo.
   Em cada consciência há um fogo que arde é preciso libertá-lo antes que se apague.
Ademar Bogo
Julho de 2001
Souza Barros. Arte Folclore, subdesenvolvimento. Civilização Brasileira. 1977.
Chaui, Marilena. Convite à Filosofia. Ática. SP 2000
Idem.
B. I. Siussiukálov.       Fundamentos metodológicos e métodos de estudo da filosofia. Edições Progresso
Joana Lopes. Pega Teatro. CTEP. São Paulo 1981.
J. S. Martins. Capitalismo e Tradicionalismo. Biblioteca Pioneira de C. Sociais. SP 1975.
Rosa Nepomuceno. Música Caipira da Roça ao Rodeio. Editroa 34, SP 1999“José Martí. Versos Singelos
fonte http://ialatextos.blogspot.com.br/2007/03/arte-como-parte-da-cultura.html