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Sejam Bem-vindos!!! Este é um espaço dedicado a arte e aos seus (futuros) admiradores. Ele é uma tentativa de despertar em seus visitantes o gosto pelo assunto. Aqui, poderão ser encontradas indicações de sites, livros e filmes de Artes Visuais, imagens de artistas, alem do meu processo de trabalho. É o meu cantinho da expressão. Espero que sua estadia seja bastante agradável e proveitosa.
Este Blog é feito para voces e por voces pois muitas das postagens aqui presentes foram reproduzidas da internet. Alguma das vezes posso fazer comentarios que de maneira parecem ofensivos porem nao é minha intençao, sendo assim, me desculpem. Se sua postagem foi parar aqui é porque ela interessa a mim e ao blog e tento focar os pontos mais interessantes. A participaçao dos autores e dos leitores é muito importante para mim nestes casos para nao desmerecer o texto nem acabar distorcendo o assunto

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O QUE É ARTE? TRES TEORIAS SOBRE UM PROBLEMA CENTRAL DA ESTETICA

O que é arte?

Três teorias sobre um problema central da estética
Aires Almeida

Introdução

     Este ensaio apresenta aos estudantes de filosofia os problemas teorias e argumentos da estética, o que será feito da seguinte maneira:
  1. Em primeiro lugar, procurarei mostrar que a estética é uma disciplina heterogénea, a qual tem sido encarada como teoria do belo, como teoria do gosto e como filosofia da arte. Direi muito rapidamente em que consiste cada uma dessas coisas e orientarei o seu interesse para a estética enquanto filosofia da arte, apresentando razões para isso.
  2. Seguidamente, apresentarei as principais noções de base necessárias à discussão crítica dos problemas, teorias e argumentos da filosofia da arte.
  3. Finalmente, apresentarei criticamente, mas de forma abreviada, algumas teorias e argumentos acerca do problema da definição de arte. A escolha das teorias tem por base o seu caráter intuitivo e a convicção de que traduzem de maneira organizada o que os alunos pensam de maneira desorganizada. Essas teorias são as designadas teorias essencialistas: teoria da imitação, teoria da expressão e teoria formalista.

1. O que é a estética?

    O ramo da filosofia a que se dá o nome de «estética» inclui um conjunto de conceitos e de problemas tão variado que, aos olhos daquele que se inicia no seu estudo, pode parecer uma matéria demasiado dispersa e inacessível. Essa primeira impressão é compreensível, mas ultrapassável. Uma maneira de desfazer tal impressão é começar por esclarecer que a estética é a disciplina filosófica que se ocupa dos problemas, teorias e argumentos acerca da arte. A estética é, portanto, o mesmo que filosofia da arte.
     Mas há um problema com esta forma de apresentar a estética: o termo «estética» não tem sido sempre utilizado nesse sentido. E isso não ocorre apenas em relação ao uso comum da palavra «estética»; ocorre também no interior da própria tradição filosófica.
   Na tentativa de desfazer essa dificuldade, a estética é muitas vezes apresentada como a disciplina filosófica que se ocupa dos problemas e dos conceitos que utilizamos quando nos referimos a objetos estéticos. Só que isso pouco adianta se não soubermos antes o que se entende por «objetos estéticos». Podemos, contudo, acrescentar que os objetos estéticos são os objetos que provocam em nós uma experiência estética. Mas, uma vez mais, ficamos insatisfeitos, pois teremos agora de saber o que é uma experiência estética. Resta-nos insistir e perguntar: «O que é uma experiência estética?» Uma resposta possível, mas sem ser circular ― sem voltar ao princípio e afirmar que uma experiência estética é o que resulta da contemplação de objetos estéticos ―, é apresentar alguns exemplos daquilo que consideramos ser juízos estéticos, isto é, juízos acerca de objetos estéticos e que, portanto, exprimem experiências estéticas.
    Eis alguns exemplos de frases que habitualmente proferimos e que qualquer pessoa estaria disposta a reconhecer que exprimem juízos estéticos:
F1: «Aquela casa é bonita»
F2: «O vale do Douro é belo»
F3: «O nascer do dia naquela amena manhã de Maio no Gerês com o cheiro a terra molhada e os pássaros a chilrear foi sublime»
F4: «A decoração desta montra está com muito bom gosto»
F5: «O último andamento da 9ª Sinfonia de Beethoven é emocionante»
F6: «O quadro Mulher-cão de Paula Rego é uma verdadeira obra-prima»
F7: «O livro Ulisses de James Joyce é uma obra complexa»
     Estas frases parecem trazer de volta a impressão inicial de que os problemas da estética são heterogéneos.
     Assim, frases como F1 e F2 exprimem juízos acerca do que se considera ser bonito ou belo, mas nenhuma das outras o faz. Talvez F1 esteja também a referir alguma obra de arte (...)
     Por sua vez, frases como F4, F5, F6 e F7 exprimem a opinião de alguém acerca de algo realizado por outras pessoas, mas enquanto as três últimas referem obras de arte, tal não sucede com F4.
    Quanto a F3 e F4 sabemos que não está em causa o conceito de belo nem se refere qualquer obra de arte, mas apenas o que sentimos em relação a algo que simplesmente nos agrada. Isso é também o que acontece em relação a F5, só que desta vez a propósito de uma obra de arte.
   O que podemos concluir daqui?
Se os nossos exemplos se limitassem a F1 e F2, então a estética seria entendida apenas como teoria do belo, pois o problema parece consistir em saber o que significa «ser belo».
   Caso pensemos apenas em F3, F4 e F5, o que temos como problema já não é rigorosamente o do significado de «ser belo» mas o de saber por que razão e sob que condições acabamos por formar esse tipo de juízos, ou seja, juízos de gosto (nesta perspectiva também F1 e F2 podem simplesmente ser tomados como juízos de gosto).
     Finalmente, se pensarmos em F1 (pelo menos em certos casos, como o da referida casa da cascata ), F5, F6 e F7, o problema com que nos deparamos não é o do belo, nem sequer o do juízo de gosto, mas sim o problema de saber o que é e como se avalia uma obra de arte.
   Estamos, assim, em condições de concluir que a estética pode ser ― o que de resto é mostrado pela sua história ― uma de três coisas: teoria do belo, teoria do gosto ou filosofia da arte.
     Deveria também ficar claro que a teoria do belo não exclui completamente do seu domínio muitas das obras de arte e a filosofia da arte não se desinteressa completamente de algumas obras belas, tal como a teoria do gosto se pode aplicar quer a objetos belos, quer a objetos de arte. 

Urinol, de Marcel Duchamp (1887-1968)     Mas não devemos confundir teoria do belo, teoria do gosto e filosofia da arte. Até porque há obras de arte que não são belas, como o célebre Urinol, de Marcel Duchamp; há obras de arte de que não gostamos, (...) há coisas belas que não são arte, como um pôr-do-sol natural e a planície alentejana; e há coisas de que gostamos que não são arte nem são belas, como a nossa caminha e melão com presunto.
     Isto significa que os objetos que fazem parte da extensão dos conceitos de belo, de gosto e de arte não são os mesmos, pelo que não estamos a discutir os mesmos problemas quando discutimos cada um desses conceitos.
     Em que ficamos, então?
     Se bem que a estética tenha sido entendida inicialmente como teoria do belo e só depois como teoria do gosto, é como filosofia da arte que ela é atualmente entendida. Vale a pena, ainda que brevemente, apresentar algumas razões para isso:
  1. Em primeiro lugar, tanto a teoria do belo como a teoria do gosto dirigiram o seu interesse de forma particular para as obras de arte. Para além do problema de saber o que é o belo, um dos problemas colocados pela teoria do belo foi o da distinção entre o belo natural e o belo artístico. No mesmo sentido também os defensores da teoria do gosto procuraram compreender porque é que a arte está na origem de grande parte dos nossos juízos de gosto.
  2. Em segundo lugar, a teoria do belo e a teoria do gosto não conseguem dar conta de muitos dos problemas que se colocam com o conceito de arte. É o caso das obras de arte que dificilmente podemos considerar belas e daquelas de que não gostamos mas não podemos deixar de considerar obras de arte.
  3. Em terceiro lugar, o desenvolvimento da arte consegue levantar problemas acerca dos conceitos de belo e de gosto que estes não conseguem levantar acerca da arte. Isso torna-se evidente quando, por exemplo, os gostos e a própria noção de belo se podem modificar à medida que contactamos com diferentes obras de arte (a ideia de que a arte educa os gostos e influencia a nossa própria noção de belo).

2. Estética e filosofia da arte

     É, pois, como filosofia da arte que a partir de aqui irei falar de estética. A filosofia da arte é, por sua vez, formada por um conjunto de problemas acerca da arte, para a resolução dos quais concorrem diferentes teorias. Algumas dessas teorias e os argumentos que as sustentam serão aqui discutidos, nomeadamente aquelas teorias que têm um conteúdo aparentemente mais intuitivo, isto é, aquelas que colhem a adesão espontânea de grande parte das pessoas que se defrontam pela primeira vez de forma direta com o problema. São também as teorias mais antigas e que, embora com um menor poder explicativo, gozam de uma popularidade assinalável.

2.1. O problema da definição de «obra de arte»

     O primeiro problema que qualquer teoria da arte tem de enfrentar é o problema da própria definição de «arte» ou de «obra de arte». Como podemos então definir «arte»? Para o saber temos de perceber antes o que é definir algo.

Tipos de definições:

    Há quem defenda que definir um conceito é dizer em que consiste e caso não saibamos defini-lo dessa maneira também não estamos em condições de o utilizar adequadamente. Defender isto é o mesmo que dizer que há apenas uma forma de definir conceitos, o que não é o caso. Ao contrário do que é vulgar pensar-se, não existe apenas um tipo de definições. Sabemos utilizar perfeitamente o conceito «azul» sem que, no entanto, o possamos definir dessa maneira. Não o saber definir dessa maneira não é o mesmo que o não poder definir. Para compreendermos isso é preciso distinguir dois tipos de definições: definições explícitas e definições implícitas.
    Diz-se que uma definição é explícita quando apresentamos as condições necessárias e suficientes do conceito a definir. Mas o que são condições necessárias e suficientes? Oferecemos uma condição necessária de X se apresentarmos uma propriedade que qualquer objeto tem de ter para ser X. Por exemplo, se dissermos que uma mãe é alguém que já teve filhos, estamos apenas a referir uma condição necessária para alguém ser mãe (de facto ninguém pode ser mãe se não tiver tido pelo menos um filho); só que isso não é suficiente, pois há pessoas que já tiveram filhos, como é o caso dos homens com filhos, e que não são mães. A condição necessária aplica-se a todas as mães, mas não tem de se aplicar só às mães. Temos, pois, de definir «mãe» de tal maneira que a definição inclua as mães e só as mães, o que se faz indicando a condição suficiente. Uma condição suficiente de X é uma característica tal que se um qualquer objeto a possui, então esse objeto é X. Isso indica-nos que se trata de uma característica de X e apenas de X. A condição suficiente de X não nos garante, pois, a inclusão de tudo o que queremos incluir na definição de X. Para dar um exemplo, é condição suficiente viver no Algarve para viver em Portugal, embora essa não seja uma condição necessária. Afinal de contas, as pessoas que vivem no Minho também vivem em Portugal. Voltando ao meu primeiro exemplo, se quisermos dar uma definição explícita de «mãe» teremos de dizer qualquer coisa como isto: «alguém é uma mãe se, e somente se, é do sexo feminino e já teve filhos». Ser do sexo feminino e ter tido filhos são em conjunto propriedades suficientes para alguém ser mãe; mas cada uma delas em separado é apenas condição necessária.
     Já numa definição implícita não temos de oferecer as condições necessárias e suficientes de um conceito. Exigir, por exemplo, as condições necessárias e suficientes do conceito de azul, é fazer uma exigência que não pode ser satisfeita. Penso que o mesmo acontece também com o conceito de filosofia. Daí o embaraço do professor de filosofia quando o aluno lhe pede que defina a disciplina que leciona. Significa isso que não podemos definir tais conceitos? Se estivermos a pensar numa definição explícita, é claro que não. Mas é perfeitamente possível dar uma definição implícita, que é o que fazemos com as crianças quando lhes queremos ensinar as cores (e com os alunos quando nos perguntam o que é a filosofia) e o que provavelmente teríamos de fazer se nos aparecesse por aí algum extraterrestre interessado em compreender o que dizemos. Assim, para dar uma definição de X, usamos esse conceito em situações diferentes de tal modo que, ao fazê-lo, estamos a exemplificar as propriedades dos objetos que com X queremos identificar. Diríamos, então, ao extraterrestre que o céu (poderíamos até apontar) é azul, que o mar é azul, que as camisolas do Belenenses são azuis, e por aí em diante.

Definições e caracterizações

     Mas acontece, ainda assim, que muitas das nossas definições implícitas nos deixam insatisfeitos. Precisamos de saber algo mais acerca dos conceitos definidos. Algo que seja relevante para a compreensão do conceito e que nos informe acerca das propriedades mais importantes dos objetos que fazem parte da sua extensão. Para isso é que servem as caracterizações, isto é, a apresentação das principais características daquilo que os conceitos referem. No caso da filosofia, o professor pode apontar exemplos de problemas, teorias e argumentos filosóficos. Estará assim a dar uma definição implícita de filosofia. Mas pode e deve ir mais longe, fazendo acompanhar a sua definição de uma caracterização. Nesse sentido, poderá referir o que distingue os problemas filosóficos dos problemas científicos e religiosos; as teorias filosóficas das teorias científicas, religiosas e artísticas, etc. É claro que tal caracterização nunca irá ser exaustiva nem pacífica, mas, concordemos ou não com ela, sempre clarifica aquilo que se tem em mente quando se usa tal conceito.

Utilização classificativa e valorativa de «arte»

    Retomando o problema da definição de «arte», quero desde já esclarecer que o termo «arte» ou a expressão «obra de arte» são frequentemente usados em dois sentidos diferentes: o sentido classificativo e o sentido valorativo. No primeiro destes dois sentidos não se tem em conta se uma determinada obra de arte é boa ou não, mas apenas se cai ou não debaixo da extensão do conceito de arte. Pretende-se apenas estabelecer se um certo objeto deve ser classificado como obra de arte. Ao classificarmos um veículo como automóvel nada dizemos acerca do seu valor como automóvel. Mas, às vezes, proferimos frases como «isto sim, é um automóvel», em que o significado de «automóvel» não é o mesmo que o apontado anteriormente. Estamos, neste caso, perante um exemplo da utilização valorativa de «automóvel», uma vez que com esta expressão queremos manifestar de forma positiva a nossa apreciação do veículo em causa, tal como o fazemos em relação a uma obra de arte ao afirmar «este quadro sim, é uma obra de arte». Aqui não estamos a classificá-la como obra de arte, mas a avaliá-lo como obra de arte boa. Estes dois usos são frequentemente confundidos e é imprescindível tê-los em mente quando se discutem as diferentes teorias da arte.

2.2. Definições explícitas de «arte»: as teorias essencialistas

    Irão ser aqui brevemente discutidas três teorias da arte essencialistas. Trata-se de teorias que defendem uma ideia de arte intuitivamente partilhada por muitas pessoas, apesar das dificuldades que, como iremos ver, revelam quando são criticamente avaliadas.
    Mas antes de avançar precisamos de esclarecer em que consiste uma teoria essencialista da arte. As teorias essencialistas defendem que existe uma essência de arte, ou seja, que existem propriedades essenciais comuns a todas as obras de arte e que só nas obras de arte se encontram. Ora as propriedades essenciais são diferentes das propriedades acidentais. Uma propriedade é essencial se os objectos que a exemplificam não podem deixar de a exemplificar sem que deixem de ser o que eram. Uma propriedade é acidental se, apesar de ser realmente exemplificada pelos objetos, poderia não o ser. Isso significa que as propriedades essenciais da arte são aquelas propriedades que não podem deixar de se encontrar nas obras de arte. São, portanto, exemplificadas por todas as obras de arte, reais ou meramente possíveis. Mas uma definição essencialista exige também que tais propriedades sirvam para distinguir a arte de outras coisas que não são arte. Daí que se procurem apenas identificar as propriedades essenciais que sejam individuadoras da arte. Por exemplo, uma propriedade essencial das obras de arte é a de terem um autor (pelo menos). Mas ter um autor não é uma propriedade individuadora da arte porque outras coisas que não são arte têm também essa propriedade essencial, como é o caso dos artigos de opinião dos jornais. Não seria por aí que iríamos identificar as obras de arte. Ora, se há propriedades comuns a todas as obras de arte e individuadoras das obras de arte, é então possível dizer quais são as suas condições necessárias e suficientes; quer dizer, é possível fornecer uma definição explícita de arte. Contudo, é preciso reconhecer que nem todas as definições explícitas são essencialistas.

Teoria da arte como imitação

   Esta é uma das mais antigas teorias da arte. Foi, aliás, durante muito tempo aceite pelos próprios artistas como inquestionável. A definição que constitui a sua tese central é a seguinte:
  • Uma obra é arte se, e só se, é produzida pelo homem e imita algo.
    A característica própria desta teoria não reside no fato de defender que uma obra de arte tem de ser produzida pelo homem, o que é comum a outras teorias, mas na ideia de que para ser arte essa obra tem de imitar algo. Daí que seja conhecida como teoria da arte como imitação.
    Vários foram os filósofos que se referiram à arte como imitação. Alguns desprezavam-na por isso mesmo, como acontecia com o conhecido filósofo grego Platão que, ao considerar que as obras de arte imitavam os objectos naturais, via essas obras como imagens imperfeitas dos seus originais. Ainda por cima quando, no seu ponto de vista, os próprios objectos naturais eram por sua vez cópias de outros seres mais perfeitos. Já o seu contemporâneo Aristóteles, mantendo embora a ideia de arte como imitação, tinha uma opinião mais favorável à arte, uma vez que os objetos que a arte imita não são, segundo ele, cópias de nada.
    O que agora nos interessa, mais do que saber quem defendeu esta teoria, é avaliar o seu poder explicativo. Vejamos então os principais pontos que perecem favoráveis a ela:

Composição, de Jackson Pollock (1912-1956)   POLLOCK, '"Composição"
  • Adequa-se ao facto incontestável de muitas pinturas, esculturas e outras obras de arte, como peças de teatro ou filmes imitarem algo da natureza: paisagens, pessoas, objetos, acontecimentos, etc.
  • Oferece um critério de classificação das obras de arte bastante rigoroso, o que nos permite, aparentemente, distinguir com alguma facilidade um objeto que é uma obra de arte de outro que o não é.
  • Oferece um critério de valoração das obras de arte que nos possibilita distinguir facilmente as boas das más obras de arte. Neste sentido, uma obra de arte seria tão boa quanto mais se conseguisse aproximar do objeto imitado.
    Um aspecto geral desta teoria mostra-nos que é uma teoria centrada nos objetos imitados. Ela exprime-se frequentemente através de frases como «este filme é excelente, pois é um retrato fiel da sociedade americana nos anos 60», ou como «este quadro é tão bom que mal conseguimos distinguir aquilo que o artista pintou do modelo utilizado».
    Mas será uma boa teoria? Para isso temos de testar cada um dos aspectos atrás apresentados que são favoráveis à teoria, começando pelo primeiro.

Pormenor de O Jardim das Delícias, de Jerónimo Bosh (1450?-1516)    Como o que é afirmado no primeiro ponto é do domínio empírico, não precisamos de procurar muito para percebermos que, apesar de muitas obras de arte imitarem algo, são inúmeras aquelas que o não fazem. O que constitui a sua refutação inequívoca. Obras de arte que não imitam nada encontramo-las tanto na pintura como na escultura abstratas ou noutras artes visuais não figurativas. De forma ainda mais notória encontramo-las na literatura e na música. Em relação à música é até bastante improvável que haja alguma obra musical que imite seja o que for, apesar de haver quem se tenha batido pela música programática (música que conta uma história, ilustra um acontecimento ou evoca um cenário natural). Até porque evocar ou ilustrar com sons não é o mesmo que imitar, a não ser indiretamente. Conscientes disso, os defensores mais recentes da teoria da arte como imitação, acabaram por substituir o conceito de imitação pelo conceito mais sofisticado de representação. Assim já poderíamos dizer que as quatro primeiras notas da 5.ª Sinfonia Composição (1946) de Jackson Pollock ou as Suites para Violoncelo Solo de Bach? Dificilmente diríamos que representam algo. Ficamos, deste modo, com uma teoria que não observa os requisitos anteriormente expostos acerca do que deve ser uma definição explícita, pois defende que uma condição necessária para algo ser arte é imitar, e isso não acontece com todas as obras de arte. Trata-se de uma definição que não inclui tudo o que deveria incluir, deixando assim muito por explicar. de Beethoven não imitam directamente a morte a bater à porta, mas representam a morte a bater à porta. O mesmo se passaria com a literatura, da qual talvez não se possa dizer que imita mas que representa sempre algo que acontece no mundo. Mas, ainda assim, podemos perguntar: o que representam a pintura.
      Em relação ao segundo aspecto, esta teoria deixa também muito a desejar. O que referi acerca do ponto anterior acaba também por desconsiderar o critério de classificação apresentado. Convém, portanto, realçar que o critério de classificação de arte proposto por esta teoria não pode ser bom, pois ficamos insatisfeitos ao verificar que há obras que são reconhecidamente arte e não são classificadas como tal. A conservar este critério, seriam as obras de arte que deveriam conformar-se à definição de arte e não o contrário. Mas acontece que nem esta nem nenhuma outra definição de arte disponível é suficientemente forte para nos fazer abandonar as nossas intuições de que certas obras são arte, ainda que tais definições as não classifiquem como tal.
     Finalmente, o terceiro ponto também é muito discutível. Apesar de ficarmos muitas vezes positivamente impressionados com a perfeição representativa de algumas obras de arte, o seu critério valorativo falha porque muitas outras obras de arte não poderiam ser consideradas boas nem más, já que não imitam nada. Mas falha ainda por haver obras que imitam algo sem que nos encontremos alguma vez em condições de saber se a imitação é boa ou má. Basta pensar em obras que imitam algo que já não existe ou não é do conhecimento de quem as aprecia. Como podemos saber se A Escola de Atenas, de Rafael,
 reproduz com perfeição as figuras de Platão e Aristóteles ou o ambiente da Academia? Pior, como sabemos que o Jardim das Delícias, de Bosch, imita bem aquelas figuras estranhas e inverosímeis, admitindo que algo está a ser imitado? Como podemos saber se O Nascimento de Vénus, de Botticelli, é uma boa imitação, se é que, mais uma vez, algo é imitado? E não será abusivo afirmar que qualquer pintura figurativa tecnicamente apurada é melhor do que o tosco Auto-Retrato com Chapéu de Palha, de Van Gogh, ou do que todas as obras impressionistas? Segundo este critério Picasso seria, com certeza, um artista menor e teríamos de reconhecer que a fotografia é a mais perfeita de todas as artes. Só que não é isso que acontece. Vemos, assim, que também em relação ao critério valorativo esta teoria está longe de dar resposta satisfatória a todas as objeções que se lhe colocam. 

O Nascimento de Vénus, de Sandro Botticelli (1445-1510)                                                                 A Escola de Atenas, de Rafael (1483-1520)

BOTTICCELI, O Nasimento da venus                                          RAFAEL, Escola de Athenas

Teoria da arte como expressão

     Insatisfeitos com a teoria da arte como imitação (ou representação), muitos filósofos e artistas românticos do século XIX propuseram uma definição de arte que procurava libertar-se das limitações da teoria anterior, ao mesmo tempo que deslocava para o artista, ou criador, a chave da compreensão da arte. Trata-se da teoria da arte como expressão. Teoria que, ainda hoje, uma enorme quantidade de pessoas aceita sem questionar. Segundo a teoria da expressão 

 VAN GOGH "Auto-Retrato com chapeu de palha"
  • Uma obra é arte se, e só se, exprime sentimentos e emoções do artista.
Vejamos o que parece concorrer a favor dela:
  1. São muitos e eloquentes os testemunhos de artistas que reconhecem a importância de certas emoções sem as quais as suas obras não teriam certamente existido. Mais do que isso, se é verdade, como parece ser, que a arte provoca em nós determinadas emoções ou sentimentos, então é porque tais sentimentos e emoções existiram no seu criador e deram origem a tais obras.
  2. Também nos oferece, como a teoria anterior, um critério que permite, com algum rigor, classificar objetos como obras de arte. Com a vantagem acrescida de classificar como arte todas as obras que não imitam nada, o que acontece frequentemente na literatura e sempre na música e na arte abstrata.
  3. Mais uma vez oferece um critério valorativo: uma obra é tanto melhor quanto melhor conseguir exprimir os sentimentos do artista que a criou.
    Uma teoria como esta manifesta-se frequentemente em juízos como «Este é um livro exemplar em que o autor nos transmite o seu desespero perante uma vida sem sentido» ou como «O autor do filme filma magistralmente os seus próprios traumas e obsessões».
        Mas também ela se irá revelar uma teoria insatisfatória. As razões são semelhantes às que apresentei contra a teoria da arte como imitação, pelo que tentarei aqui ser mais breve.
sem título, de Yves Klein
                                                              Yves Klein    
      
O primeiro ponto apresenta várias falhas. Desde logo, é também empiricamente refutado porque há obras que não exprimem qualquer emoção ou sentimento. Podemos até admitir que o emaranhado espesso de linhas coloridas do quadro de Pollock exprime algo ao deixar registados na tela os seus gestos (é geralmente incluído na corrente artística conhecida como expressionismo abstracto). Mas podemos dizer o mesmo da maior parte dos quadros de Yves Klein, Mondrian ou de Vasarely? O grande compositor do nosso século, Richard Strauss, autor de vários poemas sinfónicos, como o célebre Assim Falava Zaratustra, esclarecia que as suas obras eram fruto de um trabalho paciente e minucioso no sentido de as aperfeiçoar, eliminando desse modo os defeitos inerentes a qualquer produto emocional. E que dizer da chamada música aleatória (música feita com o recurso a sons produzidos ao acaso)? Além disso, mesmo que uma obra de arte provoque certas emoções em nós, daí não se segue que essas emoções tenham existido no seu autor. Se a ingestão de dez copos de vinho seguidos provocam em mim o sentimento de euforia, daí não se segue que o vinicultor que produziu o vinho estivesse eufórico. Trata-se, portanto, de uma inferência falaciosa. Tal como na definição de arte como imitação, o mesmo se passa aqui, pois acaba por não se verificar a condição necessária segundo a qual todas as obras de arte exprimem emoções. É, assim, uma má definição.

Quasarte, de Victor Vasarely
                                                                  Vasarelli


      A deficiência em relação ao critério de classificação é praticamente a mesma apontada à teoria da imitação. A única diferença é que, neste caso, uma maior quantidade de objetos podem ser classificados como arte. Mas nem todas as obras de arte são, de facto, classificadas como tal.
Sobre o critério de valoração, também as objeções são idênticas às da teoria da imitação. Se observarmos este critério, então as obras de arte que não podem ser consideradas boas nem más são inúmeras. Como podemos nós saber se uma determinada obra exprime corretamente as emoções do artista que a criou, quando o artista já morreu há séculos? Na tentativa de apurar até que ponto uma obra de arte é boa, muitos estudiosos defensores desta teoria lançaram-se na pesquisa biográfica do artista que a criou, pois só assim estariam em condições de compreender os sentimentos que lhe deram origem.     
    Alguns deles, como o famoso pai da psicanálise, Sigmund Freud, até se aventuraram a sondar as profundezas da psicologia do artista, sem o que uma correcta avaliação da obra não seria possível. Freud foi ao ponto de o fazer com um artista morto há séculos, como é descrito no seu livro Uma Recordação de Infância de Leonardo da Vinci. Supondo que, como já tem acontecido, a obra em causa tinha sido erradamente atribuída a outro autor, essa obra deixaria de poder ser considerada obra-prima? E as obras de autores anónimos ou desconhecidos não são boas nem más? E como avaliar uma obra de arte colectiva ou a interpretação de uma obra musical? O que conta aqui são as emoções do artista criador ou as do artista intérprete (ou dos artistas intérpretes, como sucede com a interpretação da Segunda Sinfonia de Mahler, a qual chega a exigir perto de 250 intérpretes em palco)? Enfim, todas estas perguntas são demasiado embaraçosas para a teoria da expressão.

Composição com Vermelho, Amarelo e Azul, de Piet Mondrian (1872-1944)

                                                            MONDRIAN Pintura em tela

 Teoria da arte como forma significante

     Verificando que a diversidade de obras de arte é bem maior do que as teorias da imitação e da expressão fariam supor, uma teoria mais elaborada, e também mais recente, conhecida como teoria da forma significante (abreviadamente referida como «teoria formalista»), decidiu abandonar a ideia de que existe uma característica que possa ser directamente encontrada em todas as obras de arte. Esta teoria, defendida, entre outros, pelo filósofo Clive Bell, considera que não se deve começar por procurar aquilo que define uma obra de arte na própria obra, mas sim no sujeito que a aprecia. Isso não significa que não haja uma característica comum a todas as obras de arte, mas que podemos identificá-la apenas por intermédio de um tipo de emoção peculiar, a que chama emoção estética, que elas, e só elas, provocam em nós. Por esta razão a incluo nas teorias essencialistas. De acordo com a teoria formalista de Clive Bell
  • Uma obra é arte se, e só se, provoca nas pessoas emoções estéticas.
      Note-se que não se diz que as obras de arte exprimem emoções, senão estar-se-ia a defender o mesmo que a teoria da expressão, mas que provocam emoções nas pessoas, o que é bem diferente. Se a teoria da imitação estava centrada nos objetos representados e a teoria da expressão no artista criador, a teoria formalista parte do sujeito sensível que aprecia obras de arte. Digo que parte do sujeito e não que está centrada nele, caso contrário não seria coerente considerar que esta teoria é formalista.
    Tendo em conta a definição dada, reparamos que a característica de provocar emoções estéticas constitui, simultaneamente, a condição necessária e suficiente para que um objecto seja uma obra de arte. Mas se essa emoção peculiar chamada «emoção estética» é provocada pelas obras de arte, e só por elas, então tem de haver alguma propriedade também ela peculiar a todas as obras de arte, que seja capaz de provocar tal emoção nas pessoas. Mas essa característica existe mesmo? Clive Bell responde que sim e diz que é a forma significante.
     Frases como «Este quadro é uma verdadeira obra prima devido à excepcional harmonia das cores e ao equilíbrio da composição», ou como «Aquele livro é excelente porque está muito bem escrito e apresenta uma história bem construída apoiada em personagens convincentes e bem caracterizadas», exprimem habitualmente uma perspectiva formalista da arte.
    Para já, esta teoria parece ter uma grande vantagem: pode incluir todo o tipo de obras de arte, inclusivamente obras que exemplifiquem formas de arte ainda por inventar. Desde que provoque emoções estéticas qualquer objecto é uma obra de arte, ficando assim ultrapassado o carácter restritivo das teorias anteriores.
     Mas as suas dificuldades também são enormes.
  1. Em primeiro lugar, podemos mostrar que algumas pessoas não sentem qualquer tipo de emoção perante certas obras que são consideradas arte. Quer dizer que essas obras podem ser arte para uns e não o ser para outros? Nesse caso o critério para diferenciar as obras de arte das outras de que serviria? Teríamos, então, obras de arte que não são obras de arte, o que não faz sentido. Também não é grande ideia responder que quem não sente emoções estéticas em relação a determinadas obras não é uma pessoa sensível, como sugere Bell, o que parece uma inaceitável fuga às dificuldades. 
  2. Uma outra dificuldade é conseguir explicar de maneira convincente em que consiste a tal propriedade comum a todas as obras de arte, a tal «forma significante», responsável pelas emoções estéticas que experimentamos. Clive Bell refere, pensando apenas no caso da pintura, que a forma significante reside numa certa combinação de linhas e cores. Mas que combinação é essa e que cores são essas exactamente? E em que consiste a forma significante na música, na literatura, no teatro, etc.? A ideia que fica é que a forma significante não serve para identificar nada. Não se trata verdadeiramente de uma propriedade, pois a forma significante na pintura consiste numa certa combinação de cores e linhas, mas na música, na literatura, no cinema, etc., já não podem ser as cores e linhas a exemplificar a forma significante. Não temos, assim, uma propriedade mas várias propriedades. É certo que diferentes propriedades podem provocar o mesmo tipo peculiar de emoções nas pessoas, mas chamar a diferentes propriedades "forma significante" é de tal forma vago que não se imagina o que poderia constituir uma contra-exemplo a esta definição. Também a resposta de que a forma significante é a propriedade que provoca em nós emoções estéticas, depois de dizer que as emoções estéticas são provocadas pela forma significante é não só inútil mas decepcionante, já que se trata de uma falácia: a falácia da circularidade.

E agora?

     Pelo que se viu, nenhuma das teorias aqui discutidas parece satisfatória. Tendo reparado nas insuficiências das teorias essencialistas, alguns filósofos da arte, como Morris Weitz, abandonaram simplesmente a ideia de que a arte pode ser definida; outros, como George Dickie, apresentaram definições não essencialistas da arte, apelando, nesse sentido, para aspectos extrínsecos à própria obra de arte; outros ainda, como Nelson Goodman, concluíram que a pergunta «O que é arte?» deveria ser substituída pela pergunta mais adequada «Quando há arte?». Serão estas teorias melhores do que as anteriores? Aí está uma boa razão para não darmos por terminada esta tarefa.

Trabalho realizado no âmbito da Acção de Formação "O Pensamento Crítico e a Tradição Socrática na Sala de Aula", lecionada por Desidério Murcho.

Fonte http://criticanarede.com/fil_tresteoriasdaarte.html

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O PAPEL DA TEORIA NA ESTETICA

Texto de Morris Weitz
Tradução de Célia Teixeira

     A teoria tem tido um papel central na estética e ainda é a preocupação da filosofia da arte. A sua maior preocupação continua a ser, assumidamente, a determinação da natureza da arte, que possa ser formulada por meio de uma definição. Ela concebe a definição como a afirmação das propriedades necessárias e suficientes daquilo que está a ser definido, e esta afirmação diz algo de verdadeiro ou falso acerca da essência da arte, acerca daquilo que a caracteriza e a distingue de tudo o resto. Cada uma das grandes teorias da arte — formalismo, voluntarismo, emocionalismo, intelectualismo, intuicionismo, organicismo — converge na tentativa de enunciar as propriedades definidoras da arte. Cada uma delas reclama ser a verdadeira teoria por ter formulado correctamente a verdadeira definição da natureza da arte; e reivindica que as restantes teorias são falsas por terem deixado de fora alguma propriedade necessária ou suficiente. Muitos especialistas mantêm que o seu empreendimento não é um mero exercício intelectual, mas antes uma necessidade absoluta para qualquer compreensão da arte e da nossa correcta avaliação artística. Eles afirmam que, a não ser que saibamos o que é a arte, quais as suas propriedades necessárias e suficientes, não podemos reagir adequadamente à arte nem dizer por que razão uma obra é boa ou melhor do que outra. Assim, a teoria estética não só é importante em si mesma, mas também em relação aos fundamentos quer da apreciação quer da crítica de arte. Os filósofos, os críticos e mesmo os artistas que escreveram sobre arte, concordam que o que é primário em estética é a teoria acerca da sua natureza.
    
    Será a teoria estética possível, no sentido de uma definição verdadeira ou de um conjunto de propriedades necessárias e suficientes da arte? Mais que não seja, a própria história da estética obriga-nos a fazer uma pausa. Além da existência de várias teorias, parece não estarmos hoje mais perto do nosso objectivo do que estávamos no tempo de Platão. Cada época, cada movimento artístico, cada filosofia da arte, tentou vezes sem conta estabelecer o seu ideal para depois ser sucedida por uma teoria nova ou revista, a qual se baseou, pelo menos em parte, na rejeição das teorias precedentes. Mesmo hoje, quase todos aqueles que se interessam por questões estéticas continuam profundamente ligados à esperança de que aparecerá uma teoria correcta da arte. Basta inspecionar os numerosos livros novos sobre arte nos quais novas definições são apresentadas, ou, especialmente no nosso país, os manuais e antologias básicas para reconhecermos quão forte é a prioridade dada a uma teoria da arte.
    
     Neste ensaio, pretendo advogar a rejeição deste problema. Pretendo mostrar que a teoria — no sentido clássico requerido — nunca surgirá na estética, e que faríamos muito melhor enquanto filósofos em substituir a questão "Qual é a natureza da arte?" por outras questões, a resposta às quais nos fornecerá todo o entendimento possível acerca das artes. Pretendo mostrar que a insuficiência das teorias não é primariamente ocasionada por nenhuma dificuldade legítima originada, por exemplo, pela vasta complexidade das artes, a qual poderia ser corrigida por uma exploração e investigação complementares.    
    
    As suas insuficiências básicas residem antes numa má compreensão fundamental da arte. A teoria estética — toda ela — está errada em princípio ao pensar que uma teoria correta é possível uma vez que adultera radicalmente a lógica do conceito de arte. É falsa a sua principal contenda de que a "arte" é suscetível de uma definição real ou de outro tipo de definição verdadeira. A sua tentativa de descobrir as propriedades necessárias e suficientes da arte é logicamente ilegítima pela simples razão de que nunca aparecerá um tal conjunto de propriedades nem, consequentemente, a sua fórmula. A arte, tal como a lógica do conceito mostra, não tem nenhum conjunto de propriedades necessárias e suficientes; logo, uma teoria acerca dela é logicamente impossível e não apenas factualmente impossível. A teoria estética tenta definir o que não pode ser definido no sentido requerido. Mas apesar de recomendar a rejeição da teoria estética, não irei defender, como muitos outros fizeram, que as suas confusões lógicas lhe tiraram o sentido ou o valor. Pelo contrário, desejo fazer uma nova avaliação do seu papel e das suas contribuições para mostrar, sobretudo, que é da maior importância para a nossa compreensão das artes.

     Examinemos agora brevemente algumas das mais famosas teorias estéticas existentes, de modo a ver se elas de fato incorporam afirmações corretas e adequadas acerca da natureza da arte. Em cada uma destas teorias presume-se que ela fornece a verdadeira enumeração das propriedades definidoras da arte, ficando implícito que as teorias antecedentes forneceram más definições. Para começar, considere uma versão famosa da teoria formalista, a qual foi proposta por Bell e Fry. É verdade que eles falam sobretudo da pintura nos seus escritos, mas ambos afirmam que aquilo que eles encontram nessa forma de arte pode ser generalizado para aquilo que é "arte" nas outras formas de arte. A essência da pintura, defendem eles, é a relação entre os elementos plásticos. A sua propriedade definidora é a forma significante, isto é, certas combinações entre as linhas, as cores, as formas e os volumes — tudo aquilo que se encontra na tela exceto os elementos representacionais — que evocam uma reação peculiar a tais combinações. A pintura é definível como organização plástica. A natureza da arte, aquilo que ela realmente é, afirma esta teoria, é uma combinação única de certos elementos (os elementos plásticos especificados) e das suas relações. Tudo aquilo que é arte é uma instância de forma significante; e tudo aquilo que não é arte não possui tal forma.

    A isto responde o emocionalista dizendo que a verdadeira propriedade essencial da arte foi deixada de lado. Tolstoy, Ducasse, ou qualquer outro dos defensores desta teoria, acham que a propriedade definidora requerida não é a forma significante, mas antes a expressão das emoções num qualquer meio público sensual. Sem a projecção das emoções num qualquer pedaço de pedra ou num qualquer pedaço de madeira ou em certos sons, etc., não pode haver arte. A arte é de fato tal personificação. É isto que caracteriza a arte de forma única, e qualquer definição verdadeira, contida numa qualquer teoria adequada da arte, deve por isso referi-la.

     Os intuicionistas rejeitam as emoções e a forma como propriedades definidoras. Por exemplo, na versão de Croce, a arte não é identificada com um objeto físico público mas com uma arte criativa específica, cognitiva e espiritual. A arte é um primeiro estádio de conhecimento em relação à qual certos seres humanos (os artistas) encaminham as suas imagens e as suas emoções para uma clarificação ou expressão lírica. Como tal, a arte é uma tomada de consciência, de carácter não conceitual, da individualidade única das coisas; e uma vez que se situa abaixo do nível de conceitualização, ou de ação, não possui conteúdo científico ou moral. Croce escolheu como essência definidora da arte este primeiro estágio de vida espiritual e avança esta identificação com a arte como traduzindo uma teoria filosófica verdadeira ou uma definição.

     O organicista diz a tudo isto que a arte é, na verdade, uma classe de todos orgânicos, consistindo em elementos discrimináveis, embora inseparáveis, que mantêm relações causalmente eficazes e que estão presentes num certo meio sensível. Em A. C. Bradley, em certos fragmentos de versões de crítica literária, ou na minha própria adaptação generalizada disto em Philosophy of the Arts, o que se afirma é que tudo aquilo que é uma obra de arte é na sua natureza um complexo único de partes interrelacionadas — na pintura, por exemplo, as linhas, as cores, os volumes, os temas, etc., interagem entre si numa superfície de pintura. Sem dúvida que, pelo menos numa certa altura, pensei que a teoria orgânica constituísse a verdadeira e real definição de arte.

      O meu último exemplo é o mais interessante de todos, logicamente falando. Este é a teoria voluntarista de Parker. Nos seus escritos sobre arte, Parker coloca constantemente em causa as definições simplórias tradicionais de estética. "A suposição subjacente de toda a teoria da arte é a existência de uma natureza comum presente em todos as artes."1 "Todas as tão populares e breves definições de arte — "forma significante", "expressão", "intuição", "prazer objetivado" — são falaciosas, ou porque se verificam no caso da arte, mas também em muitas outras coisas que não são arte, e assim falham em diferenciar a arte das outras coisas; ou então porque negligenciam algum aspecto essencial da arte."2 Mas em vez de invetivar contra a própria tentativa de definir arte, Parker insiste que aquilo que é necessário é uma definição complexa em vez de uma simples. "A definição de arte deve assim ser formulada em termos de um complexo de características. A incapacidade de reconhecer isto tem sido a falha de todas as bem conhecidas definições."34 A sua própria versão do voluntarismo resulta na teoria de que a arte é essencialmente três coisas: a personificação de desejos imaginativamente satisfeitos, a linguagem, a qual caracteriza o meio público da arte, e a harmonia, a qual unifica a linguagem com as camadas das projecções imaginativas. 
Assim, para Parker, é uma definição verdadeira de arte dizer que ela "[...] fornece satisfação através da imaginação, da significação social e da harmonia. Estou a afirmar que nada mais à exceção das obras de arte possuem todas estas três marcas."

      Todas as teorias apresentadas são inadequadas em diferentes aspectos. Todas elas pretendem fornecer uma descrição completa das características definidoras das obras de arte e contudo cada uma delas deixa de lado algo que as outras tomavam como central. Algumas dessas teorias são circulares — por exemplo, a teoria da arte de Bell-Fry como forma significante, que em parte define essa característica em termos da nossa reação à forma significante. Algumas, na sua procura das propriedades necessárias e suficientes, realçam pouquíssimas características, como é o caso (mais uma vez) da definição de arte de Bell-Fry, que deixa de lado a representação de temas na pintura; ou a teoria de Croce, que omite a inclusão da importantíssima característica do meio público, do carácter físico, por exemplo, da arquitetura. Outras teorias são demasiado gerais e incluem objetos que não são arte a par com as obras de arte. O organicismo é certamente um exemplo disso, uma vez que pode ser aplicada a qualquer unidade causal do mundo natural, assim como à arte.5 Outras ainda, baseiam-se em princípios dúbios, por exemplo, a afirmação de Parker de que a arte personifica satisfações imaginativas, em vez de satisfações reais; ou a afirmação de Croce de que existe conhecimento não conceitual. Consequentemente, mesmo que a arte tenha um conjunto de propriedades necessárias e suficientes, nenhuma das teorias que referimos, nem nenhuma das teorias propostas até à data, enumerou esse conjunto de propriedades de modo satisfatório para todos.

    Existe além disso um tipo diferente de dificuldade. Como definições reais este tipo de teorias deviam fornecer informações factuais sobre a arte. E se isto for verdade, podemos perguntar se serão elas teorias empíricas e abertas à verificação ou falsificação. Por exemplo, o que é que confirmaria ou infirmaria a teoria de que a arte é forma significante ou a personificação das emoções ou a síntese criativa de imagens? Parece nem sequer haver a mais pequena sugestão sobre que tipo de dados poderia testar estas teorias; e de fato, perguntamo-nos se elas não serão talvez definições honoríficas de "arte", isto é, propostas de redefinição do conceito de arte de modo a aplicá-lo em função de certas condições escolhidas, e não informações verdadeiras ou falsas acerca das propriedades essenciais da arte.

   Mas todas estas críticas às teorias estéticas tradicionais — a crítica de que são circulares, ou incompletas, ou não testáveis, ou pseudo-factuais, ou meras propostas para mudar o significado dos conceitos — já tinham sido feitas. A minha intenção é ir além dessas críticas de modo a fazer uma crítica bem mais fundamental, nomeadamente, a de que a teoria estética é uma tentativa logicamente vã para definir aquilo que não pode ser definido, de determinação das propriedades necessárias e suficientes daquilo que não tem propriedades necessárias nem suficientes, de conceber o conceito de arte como fechado quando o seu próprio uso exige a sua abertura.
*
      O problema com o qual temos de começar não é "O que é arte?", mas "Que tipo de conceito é "arte"?". De fato, o problema central da própria filosofia consiste em explicar a relação entre o uso de certos tipos de conceitos e as condições sob as eles podem ser correctamente aplicados. Se me é permitido parafrasear Wittgenstein, não devemos perguntar qual a natureza de um certo x filosófico, ou ainda, de acordo com os semanticistas, qual o significado de "x", algo que leva à interpretação desastrosa de "arte" como um nome para um conjunto específico de objectos; devemos antes perguntar "Qual o uso ou função de x?", "Qual a função que "x" desempenha na linguagem?". Penso ser esta a questão inicial, o início, senão o fim, de todos os problemas e soluções filosóficos. Deste modo, o nosso primeiro problema na estética é o de elucidação do emprego efetivo do conceito de arte, de modo a fornecer uma descrição lógica da função atual do conceito, incluindo uma descrição das condições debaixo das quais o usamos corretamente ou aos seu conceitos correlatos.

     O meu modelo, neste tipo de descrição lógica ou filosófica, deriva de Wittgenstein, e foi também ele que, na sua refutação da teorização filosófica no sentido de construção de definições de entidades filosóficas, equipou a estética contemporânea com um ponto de partida para qualquer progresso futuro.   
  
     Na sua nova obra, Investigações Filosóficas6, Wittgenstein coloca como questão ilustrativa, a questão de saber o que é um jogo. A resposta filosófica teórica tradicional seria dada em termos de um conjunto exaustivo de propriedades comuns a todos os jogos. A isto responde Wittgenstein que devemos considerar aquilo a que chamamos "jogos": "Quero com isto dizer os jogos de tabuleiro, os jogos de cartas, os jogos de bola, os jogos de combate, etc. O que é comum a todos eles? Não respondas: "Tem de haver qualquer coisa em comum, senão não se chamariam jogos" — mas olha, para ver se têm alguma coisa em comum — porque quando olhares para eles não verás de facto o que todos têm em comum, mas verás parecenças, parentescos, e em grande quantidade."
    
   Os jogos de cartas são como os jogos de tabuleiro em alguns aspectos mas não noutros. Nem todos os jogos são divertidos, e nem sempre há ganhar e perder, ou competição entre os jogadores. Alguns jogos assemelham-se a outros em alguns aspectos — isto é tudo. O que encontramos, não são propriedades necessárias e suficientes, mas apenas "uma rede complicada de parecenças que se cruzam e sobrepõem umas às outras" de tal modo que podemos dizer que os jogos formam uma família com parecenças de família e sem nenhum traço comum. Se perguntarmos o que é um jogo, para responder vamos buscar exemplos de jogos, descrevemo-los, e acrescentamos o seguinte, "a isto e a coisas parecidas chama-se um jogo". Isto é tudo o que precisamos de dizer e de facto tudo o que sabemos acerca de jogos. Saber o que é um jogo não é saber uma definição real ou uma teoria, mas ser capaz de reconhecer e explicar os jogos e ser capaz de decidir de entre exemplos novos e imaginários a quais lhes chamaríamos "jogos".
  
    O problema da natureza da arte é como o da natureza dos jogos, pelo menos neste aspecto: se olharmos e vermos a que é que chamamos "arte", também não iremos encontrar nenhuma propriedade comum — apenas cadeias de similaridades. Saber o que é arte não é apreender uma essência manifesta ou latente mas ser capaz de reconhecer, descrever e explicar aquelas coisas a que chamamos "arte" em virtude de certas similaridades.

     A semelhança básica entre estes conceitos é a sua estrutura aberta. Ao elucidá-los, alguns casos (paradigmáticos) podem ser dados, acerca dos quais não pode existir a mínima dúvida ao serem descritos como "arte" ou "jogo", mas não é possível fornecer um conjunto exaustivo de exemplos. Posso fazer uma lista de alguns casos e algumas condições sob as quais aplico correctamente o conceito de arte, mas não posso fazer uma lista de todos esses casos e condições pela simples razão que estão sempre a surgir ou a antever-se condições novas ou imprevisíveis.

       Um conceito é aberto se as suas condições de aplicação são reajustáveis e corrigíveis; isto é, se uma situação ou um caso pode ser imaginado ou obtido, o qual requeresse algum tipo de decisão da nossa parte de modo ou a alargar o uso do conceito para abranger o novo caso ou a fechar o conceito inventando um novo para abranger o novo caso e a sua nova propriedade. Se podemos estabelecer condições necessárias e suficientes para a aplicação de um conceito, o conceito é fechado. Mas isto é algo que apenas pode acontecer na lógica e na matemática onde os conceitos são construídos e completamente definidos. Isto não pode acontecer com conceitos empiricamente descritivos e normativos, a não ser que os fechemos arbitrariamente estipulando o alcance dos seus usos.

     Posso ilustrar melhor este carácter aberto da "arte" com exemplos retirados dos seus sub-conceitos. Considere questões como as seguintes: "É U.S.A. de Dos Passos um romance?"; "É Rumo ao Farol de V. Woolf um romance?"; "É Finnegan's Wake de Joyce um romance?" Do ponto de vista tradicional, estes são problemas factuais que devemos responder com um sim ou não de acordo com a presença ou a ausência de propriedades definidoras. Mas certamente que esta não é a forma como respondemos a estas questões. Assim que tal questão se coloca, como aconteceu tantas vezes no desenvolvimento de romances desde Richardson a Joyce (por exemplo, "É The Scholl for Wives de Gide um romance ou um diário?"), o que está em causa, não é um exame factual acerca de propriedades necessárias e suficientes mas uma decisão sobre se a obra examinada é ou não similar a outras obras, em certos aspectos, a que já chamávamos "romances", e se, consequentemente, se justifica ou não o alargamento do conceito de modo a abranger este caso novo. A nova obra é uma narrativa, uma obra ficcional, contém um esboço de personagens e diálogos, mas, por exemplo, o enredo não tem uma sequência temporal regular ou é interpolada por relatos verídicos de jornais. Esta nova obra é em alguns aspectos similar aos reconhecidos romances A, B, C, ..., mas diferente noutros aspectos. Mas também nem a obra B nem a C era similar à A em todos os aspectos quando se decidiu alargar o conceito que se aplicava a A a B e a C. Uma vez que a obra N+1 (a nova obra) é como a obra A, B, C, ... e N em certos aspectos — tem certos traços similares — o conceito é alargado e uma nova fase do romance criada. Assim, a questão,"É N+1 um romance?" não é uma questão factual, mas antes um problema de decisão, cujo o veredito consiste em saber se devemos ou não alargar o nosso conjunto de condições de aplicação do conceito.

  O que se verifica no caso do romance verifica-se também, penso eu, em todos o sub-conceitos de arte: "tragédia", "comédia", "pintura", "ópera", etc., e verifica-se no caso do próprio conceito de "arte". Nenhuma questão do tipo "É X um romance, uma pintura, uma ópera, uma obra de arte, etc.?" permite uma resposta definitiva no sentido de um sim ou um não baseado em factos. A resposta à questão "É esta colagem uma pintura ou não?" não assenta num conjunto de propriedades necessárias e suficientes da pintura, mas em saber se decidimos ou não — como de facto o fizemos — alargar o termo "pintura" para abranger este caso.

     O próprio conceito de "arte" é um conceito aberto. Novas condições (novos casos) surgiram e continuarão certamente a surgir; aparecerão novas formas de arte, novos movimentos, que irão exigir uma decisão por parte dos interessados, normalmente críticos de arte profissionais, sobre se o conceito deve ou não ser alargado. Os estetas podem estabelecer condições de similaridade, mas nunca condições necessárias e suficientes para a correcta aplicação do conceito. Com o conceito "arte", as suas condições de aplicação nunca podem ser exaustivamente enumeradas, uma vez que novos casos podem sempre ser considerados ou criados pelos artistas, ou mesmo pela natureza, o que exigirá uma decisão por parte de alguém em alargar ou fechar o velho conceito ou em inventar um novo. (por exemplo, "Isto não é uma escultura, é um mobile.")
Assim, aquilo que estou a defender é que o próprio carácter expansivo e empreendedor da arte, as suas sempre presentes mudanças e novas criações, torna logicamente impossível garantir um qualquer conjunto de propriedades definidoras. É claro que podemos escolher fechar o conceito. Mas fazer isso com "arte" ou "tragédia" ou "retrato", etc., é ridículo, uma vez que exclui as próprias condições de criatividade na arte.

     É claro que existem casos legítimos e proveitosos de conceitos fechados na arte. Mas esses são aqueles cujas condições de limitação foram traçadas com propósitos específicos. Considere-se, por exemplo, a diferença entre "tragédia" e "tragédia grega". O primeiro é um conceito aberto e deve assim permanecer para permitir a possibilidade de novas condições, por exemplo, uma peça em que o herói não é nobre ou não foi morto com nobreza ou em que nem sequer existe um herói mas em que estão presentes outros elementos parecidos àqueles já existentes nas peças a que chamamos "tragédia". O segundo conceito é fechado. A peça a que pode ser aplicado, as condições debaixo das quais pode ser correctamente usado, estão todas presentes, assim que a fronteira foi traçada, com o qualificativo de "grega". Neste caso, o crítico de arte pode fornecer uma teoria ou uma definição na qual apresenta uma lista das propriedades comuns, pelo menos as propriedades das tragédias gregas já existentes. A definição de Aristóteles, que é uma teoria falsa acerca das peças de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, uma vez que não dá conta de algumas delas7, sendo todas elas correctamente designadas por "tragédias", pode ser interpretada como uma boa definição (se bem que incorrecta) do conceito fechado "tragédia grega"; apesar de também poder ser interpretada, como infelizmente tem sido, como pretendendo fornecer uma definição de "tragédia", caso em que passa a sofrer do erro lógico de tentar definir aquilo que não pode ser definido — de tentar comprimir um conceito aberto numa fórmula honorífica para um conceito fechado.

    O trabalho mais importante do crítico de arte, se ele não se deixar confundir, é o de clarificar completamente o modo como concebe os seus conceitos; caso contrário, ele poderá passar do problema de tentar definir "tragédia", etc., para a tentativa de fechar o conceito com base em certas condições ou características que ele prefere, as quais resume numa recomendação linguística que erradamente julga tratar-se de uma verdadeira definição de um conceito aberto. Por conseguinte, ao perguntarem "O que é uma tragédia?" muitos dos críticos e estetas escolhem uma classe de amostras a partir da qual podem fazer uma boa descrição das propriedades que estas têm em comum, interpretando depois esta descrição das propriedades de um conjunto específico de amostras escolhidas como se fosse uma verdadeira definição ou teoria para toda a classe aberta de tragédia. Penso ser este o mecanismo lógico das chamadas teorias dos sub-conceitos de arte: "tragédia", "comédia", "romance", etc. Com efeito, todo este processo, subtilmente enganador, equivale a uma transformação de um critério correcto para reconhecer os membros de uma certa classe fechada legítima de obras de arte, num critério recomendado de avaliação de um qualquer putativo membro da classe.
*
    A primeira função da estética não é a de procurar uma teoria mas a de elucidar o conceito "arte". Especificamente, a sua primeira função é descrever sob que condições empregamos correctamente o conceito de arte. Definições, reconstruções e padrões de análise estão fora de questão uma vez que destorcem e nada acrescentam à nossa compreensão da arte. Assim sendo, qual é a lógica da expressão "X é uma obra de arte"?

     O conceito "arte" é usado quer de modo descritivo (como "cadeira") quer de modo valorativo (como "bom"); isto é, tanto dizemos "Isto é uma obra de arte" com a intenção de descrever algo como com a intenção de avaliar algo. Nenhum destes usos é surpreendente.

     Assim sendo, qual é então a lógica de "X é uma obra de arte" quando a elocução é descritiva? Sob que condições seria esta elocução correcta? Não existem condições necessárias e suficientes mas existem as cadeias de condições de semelhança, isto é, existem feixes de propriedades que nos permitem descrever algo como uma obra de arte, e apesar de não ser necessária a presença de nenhuma dessas propriedades, a maioria delas está presente. A isto chamarei "critério de reconhecimento" de obras de arte. Todas estas propriedades têm servido como critério de definição das teorias de arte tradicionais; por isso já estamos familiarizados com elas. Deste modo, na maioria das vezes que descrevemos algo como obra de arte, fazemo-lo sob a condição de estarmos perante uma espécie de artefacto, feito por seres humanos, com engenho e imaginação, que inclui no seu meio público sensual — pode ser feita de pedra, madeira, sons, palavras, etc. — certos elementos e relações distinguíveis. Certos especialistas incluiriam condições como a satisfação de desejos, a objectificação ou a expressão das emoções, um certo acto de empatia, e assim por diante; mas estas últimas condições parecem ser bastante adventícias, podendo estar presentes num espectador mas não noutros quando algo é descrito como uma obra de arte. A expressão "X é uma obra de arte e não contém qualquer emoção, expressão, acto de empatia, satisfação, etc." faz todo o sentido e pode até acontecer na maioria dos casos. Expressões como " X é uma obra de arte e ... não foi feita por nenhuma pessoa" ou "... existe apenas na mente e não em algo público e observável" ou "... foi criada acidentalmente quando ele entornou a tinta na tela", apesar de serem todas a negação de uma das condições normais para que algo seja classificado como obra de arte, são razoáveis e podem-se verificar em certas condições. Nenhum dos critérios de reconhecimento é um critério definidor, nenhum deles é necessário ou suficiente, uma vez que podemos afirmar que algo é uma obra de arte negando ao mesmo tempo qualquer uma dessas condições, podemos mesmo negar aquela que tradicionalmente se tomou como básica, nomeadamente, a condição de ser um artefacto. Considere-se, por exemplo, a expressão "Este pedaço de madeira à deriva é uma bela escultura". Dizer que algo é uma obra de arte, obriga a que nos comprometemos com a presença de alguma dessas condições. Dificilmente descreveríamos X como uma obra de arte se X não fosse um artefacto, nem fosse constituído por uma colecção de elementos presentes num meio sensível, nem fosse um produto do engenho humano, e assim por diante. Se nenhuma das condições estivesse presente, se não estivesse nenhum critério presente para reconhecer algo como uma obra de arte, não iríamos descrever esse algo como uma obra de arte. Mas mesmo assim nenhum desses critérios, nem mesmo uma colecção deles, é necessário ou suficiente.

     A elucidação do uso descritivo de "arte" levanta poucas dificuldades. Mas a elucidação do seu uso valorativo já não é tão pacífica. Para muita gente, especialmente para os especialistas, a expressão "Isto é uma obra de arte" faz mais do que descrever; também elogia. Assim sendo, as suas condições de uso incluem algumas propriedades ou características preferidas da arte. Considere um exemplo típico deste uso valorativo: a ideia de acordo com a qual dizer que algo é uma obra de arte é dizer que esse algo consiste numa harmonização bem sucedida de elementos. Muitas das definições honoríficas de arte e dos seus subconceitos são desta forma. Mas o que aqui está em causa é que o termo "arte" é constituído como um termo valorativo que é ou identificado com o seu critério ou justificado com base nele. O termo "arte" é definido com base na sua propriedade valorativa, por exemplo, harmonização bem sucedida. Deste ponto de vista, dizer "X é uma obra de arte" é 
 1) dizer algo que significa "X é uma harmonização bem sucedida" (por exemplo, "a arte é forma significante"); ou 2) dizer algo digno de louvor com base na sua harmonização bem sucedida. Os especialistas nunca esclarecem se é 1 ou 2 que pretendem dizer. Muitos deles, preocupados com este uso valorativo, formulam 2, isto é, aquela característica da arte que faz do objecto um objecto de arte no sentido honorífico, e depois passam a afirmar 1, isto é, a definição de "arte" com base nas características que descrevem um objecto como uma obra de arte. Isto é, claramente, confundir as condições sob as quais dizemos algo em sentido valorativo com o significado daquilo que dizemos. A expressão "Isto é uma obra de arte", tomada valorativamente, não pode significar "Isto é uma harmonização bem sucedida de elementos" — excepto se assim o estipularmos. No máximo, a expressão é usada por causa da própria propriedade da arte, que é tomada como um (o) critério de "arte", quando "arte" é usado valorativamente. A expressão "Isto é uma obra de arte", usada valorativamente, serve para elogiar e não para afirmar a razão pela qual é proferida.

      O uso valorativo de "arte", apesar de ser distinto das suas condições de uso, relaciona-se de modo íntimo com essas condições — pois em todos os casos de "Isto é uma obra de arte" (usada para elogiar) acontece que se converte o critério de avaliação (por exemplo, harmonização bem sucedida) para o emprego do conceito de arte num critério de reconhecimento. É por este motivo que, no seu uso valorativo, a expressão "Isto é uma obra de arte" implica a expressão "Isto tem P", onde P é uma certa propriedade da arte. Deste modo, se escolhermos usar "arte" valorativamente, como muitas pessoas fazem, a expressão "Isto é uma obra de arte e é (esteticamente) boa" não faz sentido, uma vez que usamos "arte" de tal modo que acabamos por recusar chamar a algo uma obra de arte a não ser que incorpore o nosso critério de excelência.

     Não existe nada de errado com o uso valorativo; de fato, existem boas razões para usar "arte" valorativamente. Mas não se pode continuar a achar que teorias do uso valorativo de "arte" sejam verdadeiras definições que estabelecem as propriedades necessárias e suficientes da arte. Em vez disso, elas são, pura e simplesmente, definição honoríficas, nas quais o conceito "arte" foi redefinido por meio de um critério escolhido.

     Mas o que torna estas teorias — estas definições honoríficas — tão valiosas não são as suas recomendações linguísticas disfarçadas, mas o debate acerca das razões para mudar o critério do conceito de arte que é usado na definição. Em cada uma das grandes teorias da arte, quer tenham sido correctamente entendidas como definições honoríficas ou incorrectamente aceites como definições reais, o que é da maior importância são as razões oferecidas no argumento da respectiva teoria, isto é, as razões dadas para a escolha ou preferência do critério de excelência ou valorização. É este eterno debate acerca destes critérios de valoração que faz da história da teoria estética o estudo importante que é. O valor de cada uma das teorias reside nas suas tentativas de determinar e justificar um certo critério que ou foi negligenciado ou rejeitado pelas teorias anteriores. Veja-se novamente a teoria de Bell-Fry. É claro que a expressão "A arte é forma significante" não pode ser aceite como uma verdadeira definição de arte; e certamente que funciona de facto na estética deles como uma redefinição da arte em termos das condições escolhidas da forma significante. Mas o que lhe confere importância estética é o que está para lá da fórmula: numa época em que os elementos literários e representacionais eram soberanos na pintura, assiste-se a um regresso aos elementos plásticos, uma vez que eles são os elementos naturais da pintura. Portanto, o papel da teoria não é o de definir algo, mas o de usar a forma de definição, de modo quase epigramático, para identificar a recomendação crucial de voltarmos novamente a nossa atenção para os elementos plásticos da pintura.
  
   Assim que, como filósofos, compreendamos esta distinção entre a fórmula e aquilo que está para lá dela, compete-nos lidar generosamente com as teorias de arte tradicionais; porque em todas elas se encontra um debate em torno de um argumento para enfatizar ou para nos centrarmos sobre uma característica particular da arte que haveria sido negligenciada ou deturpada. Como vimos, se tomarmos as teorias estéticas literalmente, todas elas falham, mas se as reinterpretarmos em termos das suas funções, como recomendações sérias e defendidas por meio de argumentos para nos concentrarmos num certo critério de excelência na arte, veremos que a teoria estética está longe de ser inútil. De fato, torna-se central na estética, para a nossa compreensão da arte, pois ensina-nos o que devemos procurar na arte e como devemos encarar o que encontramos na arte. O que é central e deve ser articulado em todas as teorias são os seus debates acerca das razões para a excelência na arte — debates acerca da profundidade emocional, de verdades profundas, da beleza natural, da exactidão, da vivacidade de tratamento e assim por diante, como critério de avaliação — os quais convergem na direcção do problema perene de saber o que torna uma obra de arte boa. Compreender o papel da teoria estética não é concebê-la como uma definição, logicamente condenada ao fracasso, mas lê-la como sumários de recomendações feitas com seriedade atender de determinadas maneiras a certas características da arte.

    Artigo originalmente publicado em The Journal of Aesthetics and Art Criticism, (Tradução:Jornal da Estetica e Critica de Arte) XV (1956), 27-35.

Notas

  1. D. Parker, "The Nature of Art", reimpresso em E. Vivas e M. Krieger, The Problems of Aesthetics (Nova Iorque, 1953), p. 90.
  2. Ibid., pp. 93-94.
  3. Ibid., pp. 94.
  4. Ibid., pp. 104
  5. Veja-se a recensão de M. Macdonald do meu Philosophy of the Arts, in Mind, Out. 1951, pp. 561-564, para uma discussão brilhante desta objecção à teoria orgânica.
  6. L. Wittgenstein, Investigações Filosóficas, (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995), trad. de M. S. Lourenço. Veja-se especialmente, Parte I, Sec. 65-75. Todas as citações foram retiradas desta secção.
  7. Sobre isto veja-se, H. D. F. Kitto, Greek Tragedy (Londres, 1939).

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