O texto de hoje pelo que entendi fala da mania de progresso do homem que se empolga com as novidades e é graças aos registros que possuimos e a identificação com alguns objetos antigos e/ou lugares que podemos conhecer o que já existiu e o que ainda é preservado tornando assim nao so apenas de um povo como da humanidade.
O Patrimônio cultural é humano, por Telmo Padilha Cesar
“Podemos viver sem a arquitetura de uma época, mas não
podemos recordá-la sem a sua presença. Podemos saber mais da Grécia e de
sua cultura pelos seus destroços do que pela poesia e pela história.” John Ruskin (1819 – 1900)
Diariamente, o bicho homem extingue florestas, degrada montanhas,
rios, lagos e cachoeiras para extrair madeira, minerais, plantar
commodities ou criar animais. Sem pudor e sem amor pelo seu habitat ainda
polui, envenenando o planeta e sua família. O progresso justifica, a
maioria nem se importa. Somos menos racionais, por exemplo, do que os
índios. Os “guarany” organizavam suas ocas em círculos, nas clareiras da
mata, deixando um grande espaço livre no centro para seu convívio e
celebrações. Já os racionais homens brancos, construtores de hoje, ao
contrário, entopem ruas, avenidas, esgotos e calçadas das cidades,
edificando gigantescos condomínios de forma desordenada, para abrigar
milhares de pessoas, seus automóveis e lixos, exatamente em áreas que
foram planejadas no século retrasado.
Quando no período colonial, os portugueses nos ensinaram a erguer
paredes de taipa e de estuque para abrigar famílias do sol, da chuva e
da vista alheia, não se imaginava o concreto. Quando os alemães nos
ensinaram a técnica de construção enxaimel, ficamos deslumbrados. Já nos
séculos 18 e 19, quando vieram mestres italianos e franceses nos
ensinar a construir palácios e palacetes, trabalhar o mármore e o bronze
para abrigar autoridades e famílias ricas, vibramos. De tudo, o pouco
que nos sobrou, não são apenas prédios, nem construções. São obras da
arte e da inteligência humana, portadoras de concepção, volume, alma,
histórias, memória, significados e identidade. São como as pessoas:
irreproduzíveis.
De herança, muitos desses estrangeiros nos deixaram além de prédios,
desenhos projetos e fotografias de freguesias, vilas e cidades. Lugares
arquitetados para o convívio, visando o transcorrer de vidas com
qualidade. Espaços, praças, sol, passeios, arte, horizontes, ar puro e
verde, muito verde.
Também deixaram como herança, manuscritos,
edifícios, pontes, casas, livros, sobrados, músicas, receitas, bebidas,
obras de arte, invenções, plantas e muitas técnicas utilizadas como
referência. Um manancial de conhecimento com incomensurável valor que
registra as diferentes etapas do desenvolvimento social, cultural e
econômico do nosso processo civilizatório.
Reconhecido o seu valor
histórico, tecnológico e cultural, vem a necessidade de sua proteção.
Publicam-se então, o Decreto-Lei nº 25/1937, o Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/1940), a Constituição Federal de 1988, a Lei
do Meio Ambiente nº 9.605/1998, além das inúmeras Convenções e Cartas
Internacionais das quais o Brasil é signatário. Aos estados, Distrito
Federal e municípios, compete a elaboração de leis e responsabilidades
em relação ao seu patrimônio cultural que, antes de tudo, é brasileiro. Mesmo
com a rica Tutela, o chamado patrimônio edificado é alvo,
principalmente por interesse econômico, de diferentes ardis, que vão do
sutil abandono, passam pelo desabamento e chegam ao criminoso incêndio,
quando simplesmente não são demolidas ao arrepio da lei. Sonega-se
assim, que gerações inteiras venham usufruir destas obras de arte,
verdadeiros documentos e registros da história do lugar e do Brasil.
Isso ocorre diariamente e de forma impune. O mesmo não acontece com
telas e quadros de valor artístico, porque são móveis, servem como moeda
de troca, investimento e são considerados símbolos de posse e de poder.
Mas, nem tudo está perdido. Ainda existem seres humanos que viram
feras na defesa do seu meio ambiente. Estão nesse grupo, por exemplo,
moradores, usuários e pessoas que não querem ver a descaracterização do
bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre. A defesa decana e unânime do
conjunto de casas da Rua Luciana de Abreu se justifica pela arte
projetada por Theodor Alexander Josef Wiederspahn, de rica arquitetura e
indiscutível valor cultural, se justifica pelo meio ambiente criado
ali, pela alta qualidade de vida e lazer aos usuários do lugar. Uma ilha
cultural no meio de uma selva de concreto.
Um lugar único e para todos.
À luta feroz deve se acrescentar o sentimento de apropriação e
pertencimento. Isso é humano. Isso é desenvolvimento. Isso é coletivo.
Errou feio quem deveria seguir as leis e ouvir a sociedade nesses 10
anos. Errou quem devia, mas não inventariou nem tombou aquele sítio.
Pior, não se pode falar ou acreditar em política pública voltada para
o Patrimônio Cultural sem que tenhamos destinados recursos compatíveis
para sua implantação. Inexiste um programa ou projeto que aporte
recursos suficientes para financiar, de forma diferenciada, tipo “Minha
Casa, Meu Patrimônio”, os proprietários de bens tombados para execução
de conservação e manutenção. Para alguns, em algumas cidades, o Programa
Monumenta, que não é o ideal, mas faz o que pode. Há ainda, um
escondido benefício pífio que permite o desconto no imposto de renda,
mas que exige muito bilro e renda.
Recentemente o Governo Federal lançou
o PAC Cidades Históricas, iniciativa louvável, mas de pouca
abrangência. É possível ainda, a responsabilização, pelo proprietário
sem condições, do poder público que outorgou o tombo ou a inventariação,
porém, apesar da lentidão da Justiça e dos inumeráveis recursos
possíveis, resultará em sentença sim, mas publicada somente quando
restar apenas o recolhimento de entulhos.
No todo, ainda se convive com a falta de conhecimento ou de interesse
dos poderes públicos e da própria sociedade sobre sua importância.
Aliás, sociedade essa, tardia mas finalmente, em mobilização crescente.
Explodem pelo Brasil inteiro, como nunca, manifestações em defesa do
nosso patrimônio. Ressalte-se com louvor, as efetivas ações do
Ministério Público Estadual e do Ministério Público Federal, verdadeiros
guardiões do nosso patrimônio. Assim, aplaudidos por um lado e vaiados
por outro, vão se formando grupos de pessoas que entregam seu tempo, seu
conhecimento e seu dinheiro para defender o que é de todos e está
expresso na leis, movidos apenas pela certeza de cumprir com os deveres e
exigir os direitos da cidadania. É o caso de outras iniciativas como o
Moinhos Vive: Movimento Chega de Demolir Porto Alegre, do coletivo
Consciência Coletiva de Novo Hamburgo e Ivoti, de movimentos em Bagé,
Santo Ângelo, Santo Antônio da Patrulha, Caxias do Sul, Taquara, Arroio
Grande, Esteio, entre outros municípios gaúchos. Graças a Deus!
Telmo Padilha Cesar, gestor cultural e presidente da Defender – Defesa Civil do Patrimônio Histórico.
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