A reportagem de hoje trata de uma realidade cruel, mas verdadeira: "Porque adoramos as cidade bem conservadas europeias, mas negligenciamos nossos centros urbanos e seus fabuloso ambiente". Isso vale tambem para arte. 
Patrimônio estratégico
Por que adoramos as cidades bem conservadas europeias, mas negligenciamos os nossos centros urbanos e seu fabuloso ambiente construído ao acaso?
   
Centro Historico de Salvador BA Centro Histórico de Guimarães, Portugal
Este ano, a vigésima-sétima edição
 do Prêmio Rodrigo Mello Franco de Andrade, nosso “Nobel” do patrimônio 
cultural, promovida pelo Iphan, reconheceu seis iniciativas importantes:
 o registro da artesania das rabecas e seus músicos, no Ceará; o trabalho de salvaguarda dos circos tradicionais e familiares, em Minas Gerais; a recuperação da técnica tradicional para construção de barcas de buriti, no Pará; a estratégia econômica
 e social de preservação das técnicas de bordado, em Goiás; o resgate 
cultural do Cariri através de iniciativas de indústria cultural, na 
Paraíba; o apoio com recursos públicos à restauração de imóveis privados através de seleção de projetos, o edital Pró-Apac, no Rio de Janeiro.
Curiosamente, vimos pela imprensa, nas últimas semanas, casos de marcas
 e produtos que buscam na dimensão histórica, e no discurso da tradição,
 uma força que os diferencie competitivamente. É o que os publicitários 
chamam de storytelling: uma narrativa que conecte pessoas às marcas.
É interessante observar as dimensões de memória e identidade como campos poderosos, capazes de alavancar e sustentar processos socioeconômicos, e ir além: são capazes de dar sentido
 à vida. Seja no interior do país, na Amazônia, nas grandes metrópoles, 
de modo orgânico e real; seja criando produtos ou marcas culturais, de 
modo construído e artificial. Não há maniqueísmo nestas práticas. Elas são parte da vida.
O
 ato de colocar espirito humano na matéria, na busca pelo sentido, 
pertencimento e significado, confere ao patrimônio cultural uma força 
estratégica que muitas vezes não é compreendida. E muitas oportunidades 
são perdidas.
Por que importamos e apreciamos queijos e vinhos 
europeus, com Denominação de Origem Controlada, um controle de 
qualidade, mas criamos empecilhos burocráticos a fabulosos produtos nacionais, genuínos e radicais, como o queijo do serro, o pão de queijo, a goiabada, a cachaça?
Por que adoramos as cidades bem conservadas europeias, mas negligenciamos os nossos centros urbanos e seu fabuloso ambiente
 construído ao acaso? (Raramente realizamos jantares para angariar 
fundos para recuperar o nosso acervo construído) Por que celebramos 
visitas ao Flatiron District, ou ao Marais, ou Covent Garden, mas não 
percebemos a força de marcas urbanas como Lapa, Ipanema, Brique da 
Redenção, ou Ver-O-Peso, e sua capacidade de atração e vitalidade? Como 
são geridas áreas estratégicas nas grandes cidades do mundo?
Será
 que estamos atentos ao “pré-sal” inesgotável que é o patrimônio 
cultural, rural e urbano, brasileiro? Qual é a força econômica desta 
jazida?
O designer e artista plástico Aloisio Magalhães, 
responsável por verdadeiros monumentos gráficos brasileiros, presidente 
do Iphan de 1979 até 1982, quando faleceu, dizia que a cultura, na 
dimensão do patrimônio cultural, seria como a borracha do bodoque: 
quanto mais forte e flexível, para suportar grande tensão para trás, 
mais longe seriam a trajetória da pedra e seu alcance. 
O Rio de 
Janeiro é a única capital do país que está colocando efetivamente o 
Centro Histórico como vetor principal de seu desenvolvimento urbano. Um 
patrimônio que tínhamos, que era a malha de mais de 400 quilômetros de 
bonde, e que abandonamos, pela sedução do urbanismo modernista, começa a
 ser resgatado com o VLT agora, por exemplo. Dentro deste Centro existem
 lugares que são núcleos culturais pulsantes como Lapa, Estácio, Morro 
da Conceição, Cinelândia etc.; dentro destes lugares existem pessoas, 
empresas, serviços, produtos, que cuidam e reinventam tradições como 
Confeitaria Colombo, Cordão da Bola Preta, Chapelaria Porto, Teatro 
Rival, Circo Crescer e Viver etc. Estes lugares, estas iniciativas, 
estas tradições e inovações são marcas culturais.
O potencial 
estratégico do patrimônio cultural como força econômica, no Rio, é 
vasto, mas é necessário que uma nova narrativa comece a ser estabelecida
 na cabeça dos cariocas: seus filhos morarão no Porto ou no Centro. 
Talvez até você. É necessário reocupar esta área. Esta região está sendo
 preparada para isto. Precisamos romper com a depreciação do nosso 
passado, com a manutenção de imóveis vazios por anos, décadas, e começar
 a adotar ferramentas como o IPTU Progressivo, ou utilização 
compulsória, por exemplo, para dar significado a estes lugares cheios de
 riquezas, e que podem gerar outras.
O patrimônio puro e intocável
 é também uma invenção do urbanismo modernista. O patrimônio é dinâmico,
 faz parte da vida e pode ser também seu sustentáculo. Todos nós vivemos
 dentro da História, até a Economia.
Autor: Washington Fajardo é arquiteto e urbanista
Fonte: http://oglobo.globo.com/opiniao/patrimonio-estrategico-14692066
Proximas postagens: 30/12 e 06/01 Crianças no museu parte 1 e 2
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