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Este Blog é feito para voces e por voces pois muitas das postagens aqui presentes foram reproduzidas da internet. Alguma das vezes posso fazer comentarios que de maneira parecem ofensivos porem nao é minha intençao, sendo assim, me desculpem. Se sua postagem foi parar aqui é porque ela interessa a mim e ao blog e tento focar os pontos mais interessantes. A participaçao dos autores e dos leitores é muito importante para mim nestes casos para nao desmerecer o texto nem acabar distorcendo o assunto

terça-feira, 12 de outubro de 2010

FUNÇÃO DO SENTIMENTO

Texto de: Nelson Goodman

    
      Todas as tentativas falhadas para chegar a uma formulação aceitável em termos de prazer ou satisfação, obtida, «objectificada» ou antecipada, dificilmente afastam a convição de que a raiz da distinção entre o científico e o estético é a diferença entre conhecer e sentir, entre o cognitivo e o emotivo. Esta última dicotomia, profundamente arreigada, é em si dúbia por vários motivos, e a sua aplicação ao nosso caso torna-se particularmente enigmática quando se encara tanto a experiência científica quanto a estética como fundamentalmente cognitivas. Mas não é fácil abandonar a ideia de que a arte é de algum modo mais emotiva do que a ciência.
      A mudança do prazer ou da satisfação para a emoção em geral melhora alguns dos aspectos mais rudimentares das fórmulas hedonistas, mas levanta problemas mais do que suficientes. Para ser estéticas, as pinturas e os concertos, e a sua observação e audição, não têm de provocar emoção, tal como não têm de dar satisfação; e a emoção antecipada não é um critério melhor do que a satisfação antecipada. Se o estético é caracteristicamente emotivo de uma certa maneira, temos ainda de dizer que maneira é essa.
      Qualquer imagem da experiência estética como um tipo de banho ou orgia emocional é claramente disparatada. As emoções envolvidas tendem a ser mudas e oblíquas por comparação, por exemplo, com o medo, mágoa, depressão ou exultação que resulta da batalha, perda, derrota ou vitória reais, e não são em geral mais intensas do que a excitação, desespero ou júbilo presentes na exploração e descoberta científicas. O que o espectador inerte sente está muito longe do que os caracteres retratados no palco sentem, e mesmo do que ele próprio sentiria ao testemunhar acontecimentos da vida real. E se o espectador saltar para o palco para participar, já não pode dizer-se que a sua resposta é estética. Que a arte se ocupa de emoções simuladas sugere, como acontece com a teoria da representação, que a arte é um pobre substituto da realidade: sugere que a arte é imitação, e que a experiência estética é um apaziguador que só parcialmente compensa a ausência de experiência e contato directo com o Real.
     Muitas vezes, as emoções envolvidas na experiência estética não são apenas algo acanhadas, mas também de polaridade inversa. Acolhemos algumas obras que despertam emoções que normalmente evitamos. Emoções negativas de medo, ódio ou aversão podem tornar-se positivas quando suscitadas por uma peça de teatro ou uma pintura. O problema da tragédia e o paradoxo da fealdade foram feitos à medida para os freudianos antigos e modernos, e a oportunidade não foi negligenciada. Diz-se que a tragédia tem o efeito de nos libertar de emoções negativas reprimidas e escondida, ou de nos administrar doses calculadas do vírus morto para prevenir ou mitigar a devastação de um ataque real. A arte torna-se não apenas um paliativo, mas também terapia, fornecendo um substituto da realidade boa e uma salvaguarda contra a realidade má. Os teatros e os museus funcionam como secções adjuntas das Repartições de Saúde Pública.
      Uma vez mais, mesmo entre obras de arte e experiências estéticas evidentemente excelentes, a componente emotiva varia muitíssimo — digamos, entre um Rembrandt tardio e um Mondrian tardio, ou entre um quarteto de Brahms e um de Webern. Não é evidente que o Mondrian e o Webern sejam mais emotivos do que as leis de Newton ou de Einstein; e é menos provável que uma linha entre o emotivo e o cognitivo diferencie perfeitamente o estético do científico, do que alguns objectos e experiências estéticas de outras.
      Todas estas dificuldades ressuscitam a tentação de postular uma emoção ou sentimento estético especial, ou uma tonalidade especial de outras emoções que ocorram na experiência estética. Esta emoção ou tonalidade especial pode ser intensa quando outras emoções são débeis, positiva quando as outras são negativas, e pode ter lugar na experiência da arte mais intelectual e contudo estar ausente no estudo científico mais agitado. Resolve-se assim todas as dificuldades — fazendo uma petição de princípio. Sem dúvida que as emoções estéticas têm a propriedade que as faz ser estéticas. Sem dúvida que coisas que ardem são inflamáveis. A teoria do flogisto estético explica tudo e nada.
       Assim, enfrentamos ainda dois problemas insistentes. Primeiro, apesar da nossa convicção de que a experiência estética é de algum modo emotiva e não cognitiva, a inadequação das fórmulas tanto em termos de emoções sofridas como em termos de emoções antecipadas deixou-nos sem maneira de dizer como. Segundo, apesar de reconhecermos que a emoção na experiência estética tende a ser desnaturada e muitas vezes até invertida, a futilidade óbvia das explicações em termos de uma secreção especial das glândulas estéticas deixa-nos sem maneira alguma de dizer porquê. Talvez se encontre na resposta à primeira pergunta a resposta para a segunda; talvez a emoção na experiência estética se comporte como se comporta por causa do papel que desempenha.
     Sugeri anteriormente que a maior parte dos problemas que nos têm vindo a assolar são culpa da dicotomia tirânica entre o cognitivo e o emotivo. Num lado colocamos a sensação, percepção, inferência, conjuntura, toda a inspecção e investigação sem energia, fato e verdade; no outro, prazer, dor, interesse, satisfação, desapontamento, toda a resposta afectiva tonta, gostar e detestar. De uma forma muitíssimo eficiente, isto impede-nos de ver que na experiência estética as emoções funcionam cognitivamente. A obra de arte é apreendida pelos sentimentos e também pelos sentidos. A insensibilidade emocional é neste caso tão definitivamente incapacitante, se não tão completamente, quanto a cegueira ou a surdez.
     Nem os sentimentos são exclusivamente usados para explorar o conteúdo emocional de uma obra. Em certa medida, podemos sentir qual é o aspecto de um quadro tão bem como podemos ver os sentimentos que ele desperta. O ator ou bailarino — ou o espectador — recorda e regista por vezes o sentimento de um movimento e não o seu padrão, na medida em que os dois se podem realmente distinguir. A emoção na experiência estética é um meio para distinguir as propriedades que uma obra tem e exprime.
     Dizer isto é um convite à acusação calorosa de fria intelectualização excessiva; mas ao invés de se tratar aqui de privar a experiência estética de emoções, é a compreensão que está a ser enriquecida com elas. O fato de as emoções participarem na cognição não implica que não são sentidas, tal como o fato de a visão nos ajudar a descobrir propriedades de objetos não implica que não ocorrem sensações de cor.
        Na verdade, as emoções têm de ser sentidas — isto é, têm de ocorrer, tal como as sensações — para que sejam usadas cognitivamente. O uso cognitivo envolve discriminar e relacionar emoções para aferir e apreender a obra, e para a integrar no resto da nossa experiência do mundo. Se isto é o oposto da assimilação passiva nas sensações e emoções, de maneira alguma equivale a cancelá-las. Contudo, explica as modificações que as emoções podem sofrer na experiência estética.
      Em primeiro lugar, o que pode dar origem a um deslocamento típico da emoção é um contexto de investigação e não um contexto de complacência ou incitamento. O contexto psicológico, fisiológico e físico é diferente. Um dólar ganho, poupado ou gasto é ainda um dólar; o afeto que tem como resultado a servidão, a frustração ou a iluminação é ainda afecto; mas em nenhum dos casos são os três a mesma coisa. As emoções não são de tal modo estanques que não se deixem influenciar pelo meio em que se encontram, mas o uso cognitivo não cria novas emoções nem concede às emoções comuns um aditivo mágico.
      Além do mais, a frequente disparidade entre a emoção sentida e o conteúdo emocional descoberto no objeto compreende-se agora facilmente. A piedade no palco pode induzir a piedade no espectador; mas a avidez pode provocar aversão, e a coragem admiração. Também uma casa branca pode parecer branca ao meio-dia, mas vermelha ao pôr-do-sol; e um globo parece redondo de qualquer ângulo.[1] As experiências sensoriais e emotivas relacionam-se de formas complexas com as propriedades de objetos. Além disso, as emoções funcionam cognitivamente não como itens isolados mas em combinação entre si e com outros meios de conhecer. A percepção, a concepção e o sentimento misturam-se e interagem; e uma liga não se presta muitas vezes à análise em termos de componentes emotivos e não emotivos. A mesma dor (ou não será a mesma?) fala de gelo e fogo. A cólera e a indignação serão sentimentos diferentes ou o mesmo sentimento em circunstâncias diferentes? E a consciência da diferença geral resulta ou gera a consciência de que as circunstâncias são diferentes? As respostas não são para nós importantes; pois nada faço depender da distinção entre emoção e outros elementos do conhecer, insistindo ao invés que a emoção pertence a estes elementos. O que importa é que as comparações, contrastes e organização envolvidas no processo cognitivo afectam frequentemente as emoções que participam nesse processo.
    Algumas podem ser intensificadas, como acontece com as cores quando colocadas contra um fundo complementar, ou sublinhadas através de rimas sutis; outras podem ser suavizadas, como o são os sons num contexto mais ruidoso. E algumas emoções podem emergir como propriedades do todo orquestrado, não pertencendo a qualquer das partes menores, como a forma de uma casca de ovo.
     Uma vez mais, como é evidente, as emoções negativas funcionam cognitivamente tão bem como as negativas. O horror e repulsa que podemos sentir com Macbeth não são meios menores de compreensão do que o divertimento e encanto que podemos encontrar em Pigmalião. Não somos obrigados a supor que a repulsa é de algum modo — por catarse, digamos — transformada em encanto, nem a explicar por que razão o mais sinistro retrato é tão legitimamente estético quanto o mais cativante; pois o encanto numa emoção não é uma condição para o funcionamento cognitivo, tal como o vermelho o não é numa sensação de cor. Na experiência estética, a emoção positiva ou negativa é um modo de sensibilidade a uma obra. O problema da tragédia e o paradoxo da fealdade evaporam-se.
    Também é evidente que a quantidade ou intensidade da emoção não é uma medida da sua eficácia cognitiva. Uma emoção ténue pode ser tão informativa como uma esmagadora; e descobrir que uma obra exprime pouca ou nenhuma emoção pode ser esteticamente tão significativo como descobrir que expressa muita. Isto é algo a que as tentativas para distinguir o estético em termos de quantidade ou grau de emoção não prestam atenção.
     Apesar de muitos enigmas ficarem assim resolvidos e de o papel da emoção na experiência estética ficar clarificado, falta ainda uma maneira de distinguir a experiência estética do resto da experiência. O uso cognitivo das emoções não só não está presente em toda a experiência estética como não está ausente de toda a experiência não estética. Notámos já que algumas obras de arte não têm qualquer conteúdo emotivo, ou têm pouco, e que mesmo nos casos em que o conteúdo emotivo é apreciável, pode por vezes ser apreendido por meios não emotivos. Na vida quotidiana, a classificação das coisas em função do sentimento é frequentemente mais vital do que a classificação em função de outras propriedades: é provável que tenhamos mais vantagens se formos proficientes em temer, querer, afrontar e desconfiar das coisas certas, animadas ou inanimadas, do que se percepcionarmos apenas as suas formas, dimensões, pesos, etc. E a importância do discernimento através do sentimento não desaparece quando a motivação é teórica em vez de prática. O zoólogo, psicólogo, sociólogo, mesmo quando os seus objetivos são puramente teóricos, emprega legitimamente a emoção nas suas investigações. Com efeito, em qualquer ciência, apesar de a exigência de objetividade proibir o pensamento caprichoso*, a leitura preconceituosa de provas, a rejeição de resultados indesejados, a fuga a linhas de investigação ameaçadoras, não proíbe o uso do sentimento na exploração e descoberta, o ímpeto da inspiração e curiosidade, ou as pistas dadas pelo entusiasmo relativo a problemas intrigantes e hipóteses promissoras. E quanto mais discutimos estas matérias mais nos apercebemos de que as emoções não se diferenciam tão claramente nem se separam tão nitidamente de outros elementos na cognição que tal distinção possa constituir uma base firme para responder a quaisquer questões polémicas. 


Nelson Goodman
Tradução de Desidério Murcho
Retirado de Linguagens da Arte, de Nelson Goodman (Gradiva, no prelo)

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