ARTE E INTERATIVIDADE: AUTOR-OBRA-RECEPÇÃO
Pensar a arte interativa dentro do
contexto das Novas Tecnologias da Comunicação, como uma nova categoria
de arte, requer um mergulho na história recente, à vista da expansão das
noções de arte, de criação e também de estética. Além disso, no
decorrer deste século, verifica-se um deslocamento das funções
instauradoras (a poética do artista) para as funções da sensibilidade
receptora (estética), o que produz no meio artístico uma grande confusão
conceitual caracterizada, ainda, pela mistura e hibridação de gêneros,
poéticas e atitudes artísticas.
Por outro lado, a compreensão dos
novos meios costuma-se fazer apartir de metáforas e conceitos de
tecnologias anteriores. No caso das NTC, expressões de origem náutica
como navegar, piratear, redes, imergir, cibernauta etc. etc., são
utilizadas enquanto não aparecem outras. Mas a inversa resulta gratuita e
falaciosa, expressões como "interatividade", "interação", "tempo real",
"virtual", etc., quando utilizadas metaforicamente, no campo da arte em
geral, projetam conceitos fora de contexto e criam efeitos sem causa.
O
tema da "recepção" percorre quase todo o século XX. M. Duchamp já
afirmara que "é o espectador que faz a obra" e, "a arte nada tem a ver
com democracia", o que indica uma preocupação com a recepção.
Anteriormente, Isidore Ducasse, conde de Lautréamont escreveu: "a poesia
deve ser feita por todos, não por um". Para os simbolistas, o princípio
estético da sugestão era fundamental, Mallarmé: "Nomear um objeto é
suprimir três quartas partes do gozo de um poema". E Paul Valéry: "Não
há um verdadeiro sentido para um texto".
Para L. Ferrara (1981)
"A participação do receptor – aviltada, desejada, repelida, solicitada,
estimulada, exigida- é tônica que perpassa os manifestos da arte moderna
em todos os seus momentos e caracteriza a necessidade de justificar a
sua especificidade".
Quando, em 1922, Moholy Nagy decide "pintar"
um quadro por telefone, inaugura-se, de forma pioneira, o universo da
"interatividade". Posteriormente, Bertold Brecht (1932) pensava a
interatividade dos meios de comunicação numa sociedade democrática e
plural. Entretanto, é necessário fazer um levantamento conceitual das
interfaces, tendências e dispositivos que se situam na linha de
raciocínio da inclusão do espectador na obra de arte, que - ao que tudo
indica - segue esta linha de percurso: participação passiva
(contemplação, percepção, imaginação, evocação, etc.), participação
ativa (exploração, manipulação do objeto artístico, intervenção,
modificação da obra pelo espectador), participação perceptiva (arte
cinética) e interatividade, como relação recíproca entre o usuário e um
sistema inteligente. Esta fortuna crítica é fundamental, visto que a
história reaparece sob o formato virtual.
A abertura de primeiro grau
Nos
anos vinte e no campo dos estudos da linguagem, a obra de Mikhail
Bakhtin (1979) inaugura o dialogismo: "todo signo resulta de um consenso
entre indivíduos socialmente organizados no decorrer de um processo de
interação (…) que "não deve ser dissociado da sua realidade material,
das formas concretas da comunicação social". Para Mikhail Bakhtin, a
primeira condição da intertextualidade é que as obras se dêem por
inacabadas, isto é, que permitam e peçam para ser prosseguidas. O
"inacabamento de princípio" e a "abertura dialógica" são sinônimos. O
conceito bakhtiniano de "intertextualidade" que estende o dialogismo à
literatura e a todas as artes (intervisualidade, intermusicalidade,
intersemioticidade) prenuncia avant la lettre o conceito de
"hipertexto". O que caracteriza a intertextualidade é, precisamente, a
introdução de um novo modo de leitura que faz estalar a linearidade do
texto. Sejam quais forem os textos assinalados, o estatuto do discurso
intertextual é comparável ao de uma super-palavra, na medida que os
constituintes deste discurso já não são palavras e sim coisas já ditas,
organizadas, fragmentos textuais. A intertextualidade fala uma língua
cujo vocabulário é a soma dos textos existentes.
Entre as
décadas de vinte e trinta surge a teoria das "Funções da Linguagem" de
Roman Jakobson, membro do Círculo Linguístico de Praga, onde o autor dá
início ao estudo funcional da linguagem partindo da distinção entre a
função de comunicação das linguagens prática e emotiva, que é
caracterizada por sua orientação para o significado, e a função poética,
que se exprime pela orientação para o signo com o tal. Esta teoria,
associada ao modelo de Karl Bühler que desenvolve a sua concepção a
partir do tríplice caráter instrumental da linguagem partindo de seus
fundamentos na situação comunicativa: o remetente, o destinatário e o
discurso, permite estabelecer e precisar os usos e funções das
linguagens verbais e também as não-verbais.
É a partir dos anos
cinqüenta que se constituem, no campo da arte, tendências que traduzem e
antecipam as mudanças produzidas pelas tecnologias. De uma parte, o
artista se interessa por uma nova forma de comunicação em ruptura com o
contexto mass-mediático e unidirecional, uma tendência que procura a
participação do espectador para a elaboração da obra de arte,
modificando, assim, o estatuto desta e do autor. Por outro lado, a
tendência que insiste mais na produção que no produto e tenta, portanto,
desconstruir o processo criativo. Assim, a teoria associada com as
tecnologias da comunicação permite aos artistas tornar perceptíveis os
três momentos da comunicação artística: a emissão da mensagem, sua
transmissão e sua recepção.
Na arte visual, a afirmação de A.
Malraux (1951) , segundo a qual a obra de arte não é criada a partir da
visão do artista, mas a partir de outras obras, já permite perceber o
fenômeno da intervisualidade como processo de construção, de reprodução
ou de transformação de modelos. Já o conceito de "Museu Imaginário" do
mesmo autor, incorpora a recepção pelo viés da reprodutibilidade
fotográfica, toda vez que esta tecnologia permite criar museus
individuais a partir de cópias das obras de arte.
Na teoria da
Obra Aberta (Eco, 1962), o autor define a arte como "uma mensagem
fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados em um só
significante". Este conceito de obra de arte inaugura a chamada
"abertura de primeiro grau". Por outro lado, a noção de poética como
programa operacional proposto pelo artista corresponde ao projeto de
formação de determinada obra. Os graus de abertura da obra servirão para
equacionar a participação.
Entre nós, "A Arte no Horizonte do
Provável" (1963) de Haroldo de Campos, é um texto precursor e
contemporâneo da "Opera Aperta" de Eco que expõe a problemática do
"probabilismo integrado na fatura mesma da obra de arte, como elemento
desejado de sua composição". Mais precisamente, "A Obra de Arte Aberta"
de Haroldo de Campos (1955) é um texto seminal que manifesta a
problemática da abertura estética, na época também acolhida pelo
pensamento do músico Pierre Boulez: "Não estou interessado na obra
fechada, de tipo diamante, mas na obra aberta, como um barroco moderno".
As
primeiras obras efetuadas com o computador obedecem ao conceito de
"arte permutacional" e são, na sua grande maioria, não-figurativas. Este
conceito ou síntese teórica exposta por A. Moles no seu "Manifesto da
arte permutacional" (1962) revela a noção de permutação poética, ou
plástica, caracterizada pela consciência do jogo e de suas regras para a
exploração do "campo dos possíveis". Para Moles, "A arte permutacional
está inscrita qual marca de água na era tecnológica".
As
estruturas combinatórias, manipuláveis, como o poema de Raymond Queneau
"Cent Mille Milliards de Poèmes" (1961), também obedecem ao conceito de
literatura potencial mas que, na realidade, está inscrito na arte
permutacional.
Na poesia concreta brasileira do grupo Noigandres
(1953-56), o problema da obra de arte aberta se colocou não apenas
teoricamente. A matriz aberta de muitos poemas concretos permitia vários
percursos de leitura, na horizontal e vertical, possibilitando o
combinatório e o permutacional como em "solitário/solidário" (1959) de
Ronaldo Azeredo e o poema "acaso" (1963) de Augusto de Campos.
Surge
a "poesia de participação": "petróleo" de José Lino Grünewald (1957);
"cubagramma" de Augusto de Campos (1960-62); "estela cubana" de Décio
Pignatari (1960-62); "popcreto para um popcrítico" de W. Cordeiro
(1964); e os "poemas semióticos" (Luiz A. Pinto e D. Pignatari, 1964),
onde uma chave verbal mínima introduz e encoraja uma expressão do
leitor.
Surge também a "poesia de processo" (W. Dias Pino,
1967): "Abertura à participação como integração / poema:objeto físico".
"Processo: manipulação + desencadeamento de invenções". (…) "Não se
busca o definitivo, nem ‘bom’ nem ‘ruim’, porém opção. Opção: arte
dependendo de participação, O provisório: o relativo. Ato: sensação de
comunicação, contra o contemplativo".
Na década de cinqüenta, Max
Bense (1972) dá início à chamada "Estética Gerativa" como arte criada a
partir de processos aleatórios, que se utilizam do computador para
gerar imagens que são produtos das relações ordem/desordem de um dado
repertório e simulam processos relacionados à criatividade, ao
pensamento visual e também aos processos naturais de crescimento. Cabe
assinalar, também, a teoria do "texto artificial" (Poesia Natural e
Poesia Artificial, 1964), do mesmo autor, realizada através de processos
informáticos. O texto sintético é investigado por Bense através da
semiótica peirceana e seu sistema triádico, isto é, como referência de
meio, de objeto e de interpretante. Esta teoria sugere pontos de conexão
com a problemática da interatividade, precisamente através da noção
semiótica de interpretante ou significado.
No final dos anos
sessenta e no campo da literatura, os estudos de alguns teóricos da
escola de Konstanz (Jauss, Iser, entre outros), criam a Estética da
Recepção onde concluem que os atos de leitura e recepção pressupõem
interpretações diferenciadas e atos criativos que convertem a figura do
receptor em co-criador. Na Teoria da recepção "nenhum texto diz apenas
aquilo que desejava dizer" e " o sujeito da produção e o sujeito da
recepção não são pensáveis como sujeitos isolados, mas apenas como
social e culturalmente mediados, como sujeitos ‘transubjetivos’".
Estas
teorias traduzem, assim, as inquietações de determinada época, e se
inserem nas questões colocadas atualmente pela interatividade, com o
desenvolvimento acelerado das tecnologias informáticas no que diz
respeito à economia simbólica da sociedade e não somente como
preocupação dos artistas.
A teoria da criatividade (A.
Moles-Wallas, 1971), explicitada nas fases projeto, informação,
incubação, iluminação, formulação e comunicação, coloca questões
relativas a uma arte concebida como projeto a ser produzido e como
processo criativo de pesquisa acelerando a arte experimental.
Por
outro lado, as questões teóricas relativas à poética da tradução, nos
campos da poesia e literatura, onde "traduzir é a maneira mais atenta de
ler", encontram em Haroldo de Campos (Da Tradução como Criação e como
Crítica,1962) seu teórico mais lúcido. Para este autor, a congenialidade
entre autor e leitor se vivifica pela recriação ou criação paralela, ou
seja, traduzir é transcriar.
Na mesma trilha da tradução como
forma de arte e, entre as diversas artes, está a Tradução Intersemiótica
(Plaza, 1987), onde o autor, nas palavras de Eduardo Peñuela Cañizal
"abala os cimentos de uma teoria tão sólida como a de E. Benveniste, já
que fica provado que não só os sistemas verbais são interpretantes, mas
também os sistemas semióticos não-verbais, relegados pelo conhecido
linguísta à condição de interpretados".
As questões relacionadas à
abertura da obra de arte, fazem tradicionalmente parte do Oriente (a
arte Taoísta, por ex.) que sempre deu ênfase as relações entre perceptor
e percepção, entre a obra de arte e a recepção, através de várias
chaves estéticas como: resonância, ritmo vital, reticência e vazio.
Estas chaves foram incorporadas ao Ocidente pelas vanguardas. A chave da
harmonia estética ou resonância, que o Ocidente chama de empatia vem
dada pelo isomorfismo recíproco (similaridade de estrutura) entre
perceptor e percebido.
Reticência e sugestão: elevar a
percepção, sugerir, o que se sugere não se deve dizer. Mallarmé: "Creio
necessário que não haja mais que alusão. Nomear um objeto é suprimir
tres quartas partes do gozo de um poema".
Ritmo vital: energia, espontaneidade, J. Pollock: "Eu não pinto a natureza, eu sou natureza".
Vazio,
na estética oriental o "vazio" não é algo para ser preenchido (como na
visão ocidental), mas algo que seria "Gestalt" (ou unidade de
percepção), manancial prenhe de potência de onde, pela dança da energia
nascem todas as formas.
Nas artes visuais se faz referência ao
conceito de "intervalo" que também não é o vazio ocidental, mas o
espaço. Trata-se do "espaço-entre" ("Ma" para a estética japonesa
–"Rarus" em latim -espaçado, poroso, esparço, intervalo) como no Volpi
das bandeiras, em Escher, Morandi e Mondrian. É Gestalt. Na arte
figurativa o intervalo se semantiza e ambigüiza. Braque: o que interessa
é o espaço entre objetos e não os objetos. Dada, Cubismo, arte e poesia
concreta. É o intervalo que possibilita a leitura do heterogêneo (do
outro) e não do homogêneo (o mesmo).
Morandi e Mondrian, são os
pintores que resolvem a questão entre o quadro-janela e o
quadro-pintura. Morandi, durante toda a sua vida, pinta as mesmas
coisas: garrafas, e recipientes vazios, poucas flores, poucas paisagens.
Morandi pinta e constrói o espaço a partir do objeto, assim como
Mondrian a partir do conceito. Morandi define o espaço-entre os objetos
com um espírito de sutileza, Mondrian segundo o espírito de geometria,
mas os dois com o mesmo absoluto rigor.
A noção de intervalo,
para além do sentido lato: "espaço entre dois pontos" ou "espaço de
tempo entre dois fatos", tem um significado em Estética mais conciso. Na
literatura, por ex., "Intervalo" significa a apreensão dos significados
pela via de sua tradução literária. O intervalo não é um vazio, é antes
aquele tempo/espaço em que a literatura aponta para outras esferas do
conhecimento a partir das quais o signo literário alcança a
representação. Em suma, intervalo é interpretação entre um texto e seus
referentes.
A abertura de segundo grau
As noções de
"ambiente" e "participação do espectador" (Popper, 1993) são propostas e
poéticas típicas da década de sesssenta. O ambiente (no sentido mais
amplo do termo) é considerado como o lugar de encontro privilegiado dos
fatos físicos e psicológicos que animam nosso universo. Ambientes
artísticos acrescidos da participação do espectador contribuem para o
desaparecimento e desmaterialização da obra de arte substituída pela
situação perceptiva: a percepção como re-criação.
É com os
chamados "ambientes pluriartísticos" ou "transartísticos" que, segundo
Frank Popper, o princípio de criação coletiva cristaliza uma tendência
geral em todos os países onde as criações, meios de expressão e
especialistas (teatro, dança, poesia, artes plásticas, música, cinema,
etc.) nivelam-se hierarquicamente e a transferência da responsabilidade
criativa para o público se acentua. A obra desmaterializa-se e a
atividade criativa, de forma geral, torna-se pluridisciplinar. Nos
ambientes, é o corpo do espectador e não somente seu olhar que se
inscreve na obra. Na instalação, não é importante o objeto artístico
clássico, fechado em si mesmo, mas a confrontação dramática do ambiente
com o espectador.
A noção de "arte de participação" tem por
objetivo encurtar a distância entre criador e espectador. Na
participação ativa o espectador se vê inducido à manipulação e
exploração do objeto artístico ou de seu espaço.
Os conceitos de
"ativo" e "passivo", relacionados aos ambientes visuais e polisensoriais
- e sem incorporar dispositivos próprios para provocar a intervenção do
espectador - levam Popper a teorizar esses ambientes que aproximam vida
e arte sob três aspectos: a) meta-arquitetural (ambiental); b)
expressivo (pessoal, individual); c) social (participação).
Esta
tendência invoca as artes: o teatro (Living Theater), a música
experimental (J. Cage, K. Stockhausen, H. Pousseur, P. Boulez), a dança
(M. Cunninham) Inclui também a obra aberta como participação de segundo
grau (manipulação de elementos plásticos – Calder, Soto, L. Clark),
penetráveis (onde o espectador penetra ou veste objetos: parangolés de
Hélio Oiticica) ou ambientes (Soto). Lygia Clark: "No meu trabalho, se o
espectador não se propõe a fazer a experiência, a obra não existe".
Com
a participação lúdica e a criatividade do espectador, aparecem os
conceitos de "arte para todos" e "do it yourself": Com a participação
ativa que inclui o acaso, como nos happenings (criação e desenvolvimento
em aberto pelo público, sem começo, meio e fins estruturados – J. Cage,
A. Kapprow, Grupo Fluxus), radicaliza-se este tipo de arte.
Mas
é com a criação de obras totais anônimas e comunitárias que os
Situacionistas (cujo modelo é o homo ludens) radicalizam ainda mais a
questão: "Contra o espectáculo, a cultura situacionista realizada
introduz a participação total. Contra a arte conservada, é uma
organização do momento vivido, diretamente. Contra a arte parcelada,
será uma prática global que se dirija ao mesmo tempo a todos os
elementos utilizáveis. Tende naturalmente a uma produção coletiva e, sem
dúvida, anônima e sem mercadorias artísticas" (…) "Contra a arte
unilateral, a cultura situacionista será uma arte do diálogo, uma arte
da interação. Os artistas, tem estado totalmente separados entre eles
pela concorrência". (…) "O papel do situacionista será de
amador-profissional, de antiespecialista até o momento de abundância
econômica e mental, em que todo o mundo se convertirá em ‘artista’, num
sentido que os artistas não alcançaram: a construção de sua própria
vida". (Manifesto da Internacional Situacionista, 1960).
A
"participação do espectador" caracteriza-se por um abandono progressivo
do primeiro conceito (de cunho mais ético e político), e sua
transformação gradativa pela Op-art e a arte Cinética pelo campo da
percepção (Yacob Agam) e, posteriormente, pela holografia e o raio
LASER, que acentuam o lado perceptivo, já que, ele se constitui em
elemento central dos dispositivos tecnológicos bem como dos processos
artísticos.
No meio brasileiro, e para além do debate estético,
concreto versus neo-concreto (típico dos anos cinqüenta), cabe destacar o
caráter de abertura de primeiro grau na poesia e na arte concretas,
cabe assinalar também a abertura em prospectiva do concretismo na
previsão dos novos campos tecnológicos que estão-se desenhando e
consubstanciando no atual horizonte multimidiático, isto, com Waldemar
Cordeiro à frente. Ou seja, para o concretismo brasileiro a questão
nunca foi de teologia e sim de tecnologia pois foram os concretos que
previram a máquina como agente de instauração estética.
Já alguns
neo-concretos se identificaram mais com a abertura de segundo grau, ou
seja, a chamada "arte de participação". A abertura de segundo grau não
se identifica, pois, com o caráter ambíguo da inovação, senão com as
alterações estruturais e a variedade temática (social, orgânica,
psicológica) para promover atos de liberdade dos espectadores sobre a
obra que chama à participação. Posto isto, resulta inadequado, chamar as
obras de Hélio Oiticica (ambientes penetráveis) ou mesmo de Lygia Clark
(trepantes e bichos) de arte interativa.
Pequena nota
cômico-irônica: grande parte das obras expostas na IX Bienal de São
Paulo (da qual participamos -1967), dedicada dominantemente à "arte de
participação", terminaram no lixo, devido aos estragos e excessos de
participação do público. Desde então, a "arte de participação" ficou
datada no imaginário do consumidor de arte brasileiro.
Arte e Interatividade: a abertura de terceiro grau
As
relações entre arte e tecnologia, com seu caráter progressivo,
aceleram-se com as novas configurações computacionais, mas é na
exposição "Cybernetic Serendipity" (Londres, 1968), organizada por Max
Bense e Jasia Reichardt, que se expõem, pela primeira vez, obras criadas
com a ajuda do computador e onde se abre a polêmica: "pode o computador
criar obras de arte?", "As obras criadas com a ajuda da informática
possuem um valor estético?".
Posteriormente, o artigo "Art ou
non-Art?", aparecido em Dossies de l’audiovisuel (1987), recolhe uma
diversidade de pontos de vista de alguns artistas a respeito destas
questões.
Jasia Reichardt escreveu que "o computador nunca produziu algo que possa ser comparado com uma obra de arte".
Por
outro lado, é conhecida a ênfase (maneirista) dada aos meios e técnicas
- mais que propriamente aos resultados - que remetem ao conceito
mcluhiano "o meio é a mensagem".
Os críticos, por sua vez, afirmam que esta forma de expressão não proporciona mais que uma sucessão de atos e não de produtos.
Já Paul Valéry disse "uma imagem é mais que uma imagem; é, talvez, mais que a coisa onde ela se dá".
Como
defesa, Philippe Quéau nos diz "A iconografia computadorizada
anuncia-se como uma nova ferramenta de expressão artística que dispõe de
um duplo campo de investigação formal e sinestésico".
Para
Edmond Couchot, está emergindo uma arte visual nova, uma arte numérica
e, por extensão, uma cultura fundada sobre o entrecruzamento do tecido
das diferenças, não somente estéticas e éticas, mas também
antropológicas e sociológicas, que não poupam pessoas nem diferenças
culturais.
E Michel Serres vê na tecnologia informática "o
momento de inventar uma nova gramática para as imagens, o equivalente na
música da fuga e do contraponto".
Já para Douglas Hofstadter "o computador só fornece o que é da ordem da sintaxe".
Gene
Youngblood aponta que o computador terminará por englobar todos os
meios, todos os sistemas diferenciados de que dispomos atualmente;
fotografia, cinema e escrita funcionarão a partir de um certo código
numérico.
Para Jurgen Claus, a arte eletrônico-tecnológica e
mediática constitui uma nova etapa qualitativa, comparável àquela da
introdução da tela na pintura, em todas as suas incidências econômicas,
sociais e criativas.
Yoichiro Kawaguchi pensa que "é natural e
evidente que a arte tradicional e a infográfica recorrem a métodos
diferenciados para perceber o tempo e o espaço, mas se pode pensar,
hoje, que virá o tempo onde a imagem e o som infográficos vibrarão sob o
mesmo diapasão de qualidade que as artes tradicionais".
Bill
Viola disse que "a verdadeira natureza da nossa relação com o real não
reside mais na impressão visual, mas nos modelos formalizados dos
objetos e o espaço que o cérebro cria a partir das sensações visuais".
E
Françoise Holtz-Bonneau: "A pesquisa sobre a arte numérica não pode
estar restrita à técnica. (...) A imagem numérica chama à "criática".
(...) Entendo por ‘créatique’ uma criação artística gerada por
computador (...) onde a geração da imagem será analisada e determinada
não pelos expertos em sistemas expertos, mas pelos expertos em imagens,
considerados enfim como os especialistas da criação artística
infográfica".
Para A. Moles (1975), "A arte não é uma coisa como a
‘Vênus de Milo’ ou o ‘Empire State Building’; é uma relação ativa do
homem com as coisas, mais-valia de vida, programação da sensualidade ou
experiência de sensualização das formas; é sempre o mesmo jogo: formatar
o ambiente ou ser formatado por ele (...) não é mais o resultado de uma
continuidade espontânea do movimento da mão, mas uma vontade de
forma...".
Estamos, portanto, diante de um universo tecnológico
formidável, problemático e complexo, fruto do esforço e da inteligência
humana, e que nos produz o sentimento estético do Sublime (Kant); nas
palavras de Mário Costa (1995), como moto de grandeza e potência fora de
toda medida antropomórfica.
Neste processo progressivo é
importante frisar que o artista trabalha na contramão da teleologia
tecnológica, no sentido em que ele não a homologa enquanto produtora de
mímese do real, mas na criação de outros referentes.
Os artistas
tecnológicos estão mais interessados nos processos de criação artística e
de exploração estética do que na produção de obras acabadas. Eles se
interessam pela realização de obras inovadoras e "abertas", onde a
percepção, as dimensões temporais e espaciais representam um papel
decisivo na maioria das produções da arte com tecnologia.
Ao
participacionismo artístico sucedem as artes interativas e a
participação pela interatividade, só que, desta vez, há a inclusão do
dado novo: a questão das interfaces técnicas com a noção de programa.
As
noções de interação, interatividade e multisensorialidade
intersectam-se e retroalimentam as relações entre arte e tecnologia. A
exploração artística destes dados perceptuais, cognitivos e interativos
está começando. A arte das telecomunicações, a telepresença e mundos
virtuais partilhados, a criação compartilhada, a arte em rede (herdeira
da mail-art) problematizam os câmbios sócio-culturais relacionados com o
progresso tecnológico.
A interatividade como relação recíproca
entre usuários e interfaces computacionais inteligentes, suscitada pelo
artista, permite uma comunicação criadora fundada nos princípios da
sinergia, colaboração construtiva, crítica e inovadora.
A
multisensorialidade trazida pelas tecnologias é caracterizada pelo uso
de múltiplos meios, códigos e linguagens (hipermídia), que colocam
problemas e novas realidades de ordem perceptiva nas relações
virtual/atual.
Os conceitos de "artista", "autor" e "poética", a
desmaterialidade da obra de arte, a recepção, as artes de reprodução e
mesmo o conceito de reprodutibilidade encontram-se, atualmente,
revolucionados. Estes fatos foram recolhidos pela exposição "Les
Immateriaux" (organizada por J.F. Lyotard no Georges Pompidou, 1985),
que enfatizava os problemas filosóficos "pós-modernos", acentuados pela
transformação do mundo material, pelos meios de massas e filtrados pelas
tecnologias onde a matéria se torna invisível, impalpável, reduzida às
ondas telemáticas.
O conceito de interatividade, viabilizado
tecnologicamente por Ivan Sutherland (1962), viria a tomar forma
cultural mais definitiva com a criação das artes da telepresença e das
redes telemáticas, nos anos 80.
O termo "arte interativa"
expande-se no começo dos anos 90 com a aparição das tecnologias
apropriadas, ligadas ao cabo telefônico, expostas em inúmeras feiras e
exposições de arte, de tecnologia eletrônica (Faust, França; Imagina,
Mônaco, Siggraph, EUA, entre muitas outras) e eventos relacionados ao
videotexto, fax, "slow scan" e outros meios.
No panorama europeu,
as sucessivas edições do evento "Ars Electronica" têm sido o lugar
catalisador das artes e tecnologias. A "Ars Electronica" de 1989
apresentou o tema central "A rede dos sistemas: a arte como
comunicação", com os seguintes sub-temas: a comunicação, a
interatividade e o diálogo; a função da arte no quadro destes fenômenos
de interesse social; a telecomunicação, os projetos interativos e o tema
global da cultura na era da informática. Numa outra seção, Ars
Electronica debatia um simpósio sobre "A liberação dos meios",
examinando como as tecnologias permitem aos artistas conceber obras
multimídia, dando partida, assim, a uma nova disciplina artística,
fundada sobre a interação dos meios mais diversos.
Exposições
mais específicas foram realizadas, como o fórum "Para uma cultura da
interatividade?" (Cité des Sciences et de l’Industrie de La Villette,
Paris, 1991). Na primeira parte deste fórum foi debatida a
interatividade em relação à cultura tecnocientífica; na segunda parte, a
interatividade como instrumento de criação a serviço dos artistas.
Neste evento, Jean-Louis Weissberg, sintetizou a idéia de que, na
comunicação, a visão é modificada, e que as tecnologias visuais
assistem, objetivam e intensificam os componentes abstratos das
percepções humanas. Ver, para Weissberg, não é somente um ato de
recepção passivo, mas também uma projeção. A simulação computadorizada e
a imagem interativa refletem, conceitualmente, os processos de
percepção.
A Ars Electronica de 1990 tinha por tema "Sonhos
numéricos – mundos virtuais", apresentando as expressões mais recentes
do imaginário numérico: criação de realidades artificiais, universos
controlados por computador e reagindo com inteligência aos nossos
desejos, imagens numéricas e sonogramas.
A Ars Electronica de
1991, sob o título "Perda do Controle", referia-se aos perigos da rápida
tecnologização da existência humana na modificação das relações entre
indivíduos e nações, entre seres humanos e natureza. Projetou-se,
também, um espetáculo interativo que demonstrava, por outro lado, que as
técnicas de ponta podem, igualmente, servir para detectar, evitar e
combater diversas catástrofes.
No Brasil e contemporaneamente à
mostra da primeira paisagem interativa (Ilha de Carla, Nelson Max, 1983)
no evento "Electra" (Museu de Arte Moderna de Paris, 1983), acontecia a
exposição "Arte pelo telefone: Videotexto" (Museu da Imagem e do Som,
São Paulo, 1982 e Bienal Internacional de São Paulo, 1983 –Plaza, org.)
que envolvia artistas com produções relacionadas à poesia, narrativa e
artes visuais, partindo dos recursos interativos próprios do Videotexto,
gerenciado, na época, pela Telesp.
Já no evento, "Sky-Art
Conference" (Mac-Usp e CAVS-MIT, São Paulo-Boston via satélite,
organizado por Wagner Garcia, 1986), se propriciam as condições para
realizar interações dialógicas (utilizando-se do sistema "Slow-Scan")
entre São Paulo e Estados Unidos segundo um modelo de interconetividade
planetária.
Cabe destacar as poéticas construídas em redes, com a
criação compartilhada, concebidas por Gilbertto Prado e Karen O’Rourke
em colaboração com o grupo Art-Réseaux de Paris.
Posteriormente,
inúmeras exposições utilizando o fax e "slow-scan" como meios
interativos foram realizadas. "Via Fax" (Museu do Telefone, Rio de
Janeiro) e também "Arte no Século XXI: A Humanização das Tecnologias"
(Memorial de América Latina e MAC-USP -1995).
Para artistas da
comunicação, como Fred Forest (1998), a transmissão cultural
desmaterializada provoca a emergência de uma criatividade e inteligência
coletivas e a exploração de novos espaços-tempos, uma "dilatação e
densificação" dos potenciais imaginários e sensíveis.
Para
Forest, as artes relacionadas com a informática, a robótica e as
telecomunicações resumem-se a três palavras-chaves: "simulação",
"interatividade", e "tempo real". Diante das mudanças em curso, é o
momento para que a história da arte seja "revisitada". A economia
simbólica, os modos de fabricação e circulação da arte contemporânea
são, assim, afetados pelo novo contexto. O artista da comunicação e sua
obra interativa só existem pela participação efetiva do público, o que
torna a noção de "autor", conseqüentemente, mais problemática. O estado
de coisas nos conduz à absoluta necessidade de "redefinir", também, o
conceito de artista.
A materialidade da obra, sua diferença, está
no novo modo de apreensão, na sua gênese, sua estrutura aberta ao
público e na reprodutibilidade sem limites.
As artes da comunicação produzem, então, obras caracterizadas como:
sistema e hibridação multimídia;
situação de experimentação para o receptor;
inscrição no espaço global da informação com todos os suportes confundidos: Internet, redes telemáticas, etc.;
encarnação em uma configuração de natureza abstrata que não pode ser percebida "visualmente" na sua totalidade;
oferta de possibilidades inéditas para a recepção, via-interatividade, que coloca problemas para a noção de artista-autor.
Entende
Forest que os sentidos da obra artístico-telemática são produzidos
durante o curso de um processo dialógico, lançado pelos autores, atores
co-autores (ou colaboradores) como "agentes inteligentes" da obra. Nas
artes da interatividade, portanto, o destinatário potencial torna-se
co-autor e as obras tornam-se um campo aberto a múltiplas possibilidades
e susceptíveis de desenvolvimentos imprevistos numa co-produção de
sentidos. É assim que nasce a chamada inteligência distribuída ou
"coletiva".
Também, para outros artistas da comunicação, o
conceito de interatividade não se aplica somente às ciências
informáticas e seus derivados (que são capazes de simular um diálogo),
mas também a uma nova forma de apreender as comunicações. Assim, é
possível falar de um lugar de encontros fundado sobre as comunicações,
graças ao qual os processos interativos se tornam uma realidade em
escala planetária. As intervenções em muitos eventos artísticos
evidenciam que a noção de interatividade serve às funções pedagógicas,
culturais e criadoras.
Para o teórico da arte-comunicação Mário
Costa (1987), "A estética da comunicação não fabrica objetos nem
trabalha sobre formas; ela tematiza o espaço-tempo". A estética da
comunicação é uma estética de eventos. O evento subtrai-se da forma e se
apresenta como fluxo espaço-temporal ou processo dinâmico do vivo.
Uma
obra de arte interativa é um espaço latente e suscetível de todos os
prolongamentos sonoros, visuais e textuais. O cenário programado pode se
modificar em tempo real ou em função da resposta dos operadores. A
interatividade não é somente uma comodidade técnica e funcional; ela
implica física, psicológica e sensivelmente o espectador em uma prática
de transformação.
Também para Edmond Couchot (1998), a imagem é,
pois, uma atividade que põe em jogo as técnicas e um sujeito (artesão,
artista,…) que, além de operar com essas técnicas, possui um savoir
faire que porta um traço, voluntário ou não, de uma certa singularidade.
Como operador, este sujeito controla e manipula as técnicas, mas ele
também é "operado" por elas, é modelado pelas técnicas através das quais
ele vive uma experiência íntima que transforma a percepção que ele tem
do mundo: é a experiência "tecnestésica". As técnicas não são somente
modos de produção; são também modos de percepção do mundo. Toda técnica
nova não entranha necessariamente uma nova imagem, mas faz surgir as
condições de sua aparição.
Aliada à individualização dos usos
computacionais, esta situação vem provocar subversões nos esquemas
tradicionais da comunicação ao inserir o agente ativo (o programa) entre
o usuário e a máquina; as categorias clássicas do emissor, do receptor,
da mensagem e do canal de comunicação entram em movimento e se trançam.
Neste sentido, a interatividade é um dos disfarces possíveis do
conceito de "autonomia intermediária" próprio do automatismo
informático: estabilidade do programa e multiplicidade das figuras e
cenografias que desenvolve e interpreta.
Para Roy Ascott (1991), a
arte interativa designa um amplo espectro de experiências inovadoras
que se utilizam de diversos meios (sob a forma de performances e
experiências individuais em um fluxo de dados (imagens, textos, sons),
ainda com diversas estruturas, ambientes ou redes cibernéticas
adaptáveis e inteligentes de alguma forma, de tal maneira que o
espectador possa agir sobre o fluxo, modificar a estrutura, interagir
com o ambiente, percorrer a rede, participando, assim, dos atos de
transformação e criação.
Uma forma de caracterizar globalmente o
fenômeno seria sublinhar que as principais tendências estéticas da arte
tecnológica estão ligadas aos conceitos e práticas da interação, da
simulação e da inteligência artificial.
Roy Ascott resume: "o que
nós queremos desenvolver é uma vasta gama de atitudes, de sistemas, de
estruturas e de estratégias interessando todo nosso aparelho sensorial e
engajando o espírito e as emoções na criação de complexos ambientes
multimídias de um rico potencial de significação e de experimentação".
Gillam Thomas sublinha que o importante é o enriquecimento que pressupõe a
interatividade entre sentidos.
Para
Philippe Quéau o termo "alteração" ("tornar um outro") é mais adequado
que "interação". Para este autor, o conceito de modelo deve substituir a
noção de forma, visto que os criadores de modelos são demiurgos que
criam universos simbólicos dotados de vida própria.
Isto parece
coincidir com o conceito de Gilberto Prado (1997): "as regras dos
projetos de ação artística em rede permitem e solicitam a atuação de
parceiros. (…) o que existe são interações de sentidos, (…) o artista se
torna um tipo de poeta da conexão, onde cada participante se torna um
(co-) produtor. (…) trata-se de uma estrutura de participação coletiva
em transformação, uma cibercollage. (…) Que o ‘desvio’ artístico ajude a
trazer a liberdade da diferença e da escolha através do
despertar/evidenciar aquilo que temos em comum e o que temos de
diferente".
Para Pierre Lévy (1990) "Nós vivemos um desses raros
momentos, onde, partindo de uma nova configuração técnica, quer dizer,
de uma nova relação com o Cosmos, inventa-se um estilo de humanidade".
Stephen
Wilson vê a arte interativa como um modo de "suscitar uma grande
floração de coisas e de expressões individuais e de acesso à
informação".
E Popper (1993) observa que "A interação é
considerada um fenômeno internacional e transnacional, acarretando
numerosas formas de engajamento cultural capazes de edificar redes de
relações humanas desprovidas de discriminação. A interatividade
suscitada pelo artista permite uma comunicação criadora fundada em
atitudes construtivas, críticas e inovadoras. Autorizando novos tipos de
interações sociais, a arte tecnológica pode igualmente se orgulhar de
refletir as transformações que afetam nosso tecido social, com todas
suas contradições".
Entretanto, para Popper, o termo
"interatividade" como instrumento de criação artística, em um contexto
estético, pode ser aplicado tanto às relações entre artista e obra como
relativo à realização, ou mesmo à relação entre obra acabada e
espectador, já que as intenções estéticas do artista são inseparáveis de
uma consciência clara dos processos técnicos utilizados.
Já a
relação entre interatividade, simulação e inteligência artificial tem
sido examinada por Marie-Hélène Tramus em tese de doutorado (1990). Esta
autora parte da hipótese que a interatividade pode ser considerada como
uma simulação da interação (este último termo designando as relações
entre indivíduo e realidade, interação tanto natural como artificial; no
entanto, a interatividade está referida às relações com as realidades
virtuais. Tramus entende, então, a interatividade como um processo para
modificar a realidade. Ela transforma a realidade natural (tudo que
existe fora das criações humanas) e a realidade artificial (tudo que
resulta da ingeniosidade humana) em realidades virtuais nascidas de uma
simulação. Em outros termos, a interatividade é uma simulação da
interação e graças a ela o diálogo entre realidades diferentes se torna
possível.
A interatividade será, assim, um intermediário
essencial, não passivo, mas exercendo um papel transformador. Esta
interface entre homem e máquina exercendo sua função única permite a
conversibilidade de um a outro, como um código comum permite a sinergia,
ou seja, a ação coordenada de vários órgãos; aqui, no caso, o homem e a
máquina. A autora parece colocar a interatividade como um código com
regras delimitadas que devem ser obedecidas pelos interagentes, em
obediência à máquina e suas interfaces. Simulação e interatividade estão
relacionadas. Simula-se para poder interagir.
Para Couchot, a
simulação introduz uma nova ordem visual e perceptual que substitui a
categoria da representação. Esta relação, tal como proposta,
apresenta-se problemática, visto que, para outros autores, simulação
continua a ser representação já que ela é necessariamente referencial,
e, sobretudo, é pensamento. Contudo, Couchot parece utilizar o termo
"representação" no sentido lato, pois "a idéia de representação envolve
infinidade, uma vez que o que realmente faz a representação é o fato de
ser interpretada em outra representação; é continuidade" (Peirce, 1974).
Por
outro lado, Ted Nelson (1992), considerado o inventor do termo
"hipertexto", conceitua o mesmo como conjunto de escritas associadas,
não seqüenciais, com conexões possíveis de seguir e oportunidades de
leitura em diferentes direções.
A hipermídia, pois, é uma forma
combinatória e interativa da multimídia, onde o processo de leitura é
designado pela metáfora de "navegação" dentro de um mar de textos
polifônicos que se justapõem, tangenciam e dialogam entre eles.
Abertura, complexidade, imprevisibilidade e multiplicidade são alguns
dos aspectos relacionados à hipermídia. A partir do momento em que o
usuário pode interagir com o texto de forma subjetiva, existe a
possibilidade de formar sua própria teia de associações, atingindo a
construção do pensamento interdisciplinar.
Para o precursor
Vannevar Bush ("As we may Think", 1945), a idéia central é que a mente
humana trabalha por associações. O hipertexto possibilita associações
entre vários tópicos de informação de acordo com o ritmo natural do
pensamento humano, ou seja, as leis da mente: associações por
contigüidade e similaridade. A conectividade é a característica
essencial do hipertexto que, através de blocos de textos e imagens
interligados, estimula o encadeamento de idéias e contextos. Como
observam Landow & Delany (1994), um pensamento complexo não pode ser
expresso satisfatoriamente por meio de estruturas proposicionais
fechadas e lineares.
Entretanto, para Landow (1992), os conceitos
de "texto central" e "texto marginal" não combinam com a mobilidade dos
sistemas hipertextuais. Pode-se dizer que no hipertexto só temos textos
evanescentes, centralidade que se dissipa quando partimos para outros
textos.
Francis Heylighen (1994) desenvolve o conceito de
hipermídia "distribuída" como síntese de três fatores: o documento é
marcado por referências cruzadas, os hotlinks; a informação do documento
pode advir de qualquer mídia; e acrescenta a distributividade, já que
esse documento pode estar em várias partes do mundo.
Roger Laufer
e Domenico Scavetta (1995) observam que o hipertexto ajuda a detectar
novas formas de representação do mundo, dos saberes em ambientes
videográficos que permitem abandonar a linearidade das formas, de
representação textual, em prol de um modo de escolha da informação mais
dialógico, um modo não-linear.
J. L. Weissberg (1998) apresenta a
interatividade como um conceito produtivo nas relações com a simulação
da presença humana, que compreendem as dimensões da linguagem verbal e
da corporal. Em segundo lugar, levando-se em conta o caráter educativo
da interatividade, esta consiste em favorecer o "tornar-se autor", pois
redistribui as noções de mensagem e recepção, que transformam as funções
das posturas leitoras trocando-as por novas dimensões editoriais,
renovando assim as separações fundadas sobre cultura do livro. Em
terceiro lugar, o relato interativo - com a presença do leitor-ator
(spect-acteur), lei(a)tor, que, junto com a programa na relação
autor-leitor, tornar-se-á uma ficção que rompe com o relato realista.
Para
Weissberg, a interatividade é criticada como uma ilusão de
reciprocidade. Esta noção é percebida como incitação/valorização da
"atividade" em detrimento da "passividade"; assim, a dimensão gestual da
postura interativa aparece como sinônimo de domínio (técnico) que
permite fundar a antinomia gestual/suspensão possível da significação.
As obras interativas vêm confirmar, por diversas vias, que podem
provocar (como também nas obras clássicas) "uma catástrofe de sentido’
(Marc Le Bot, 1986).
Por outro lado, a abertura limitada, móvel,
mas também constrangedora, da "interatividade de comando" coloca o
spect-acteur numa gaiola de ouro.
A interatividade aparece como
uma nova condição da recepção para interpretá-la, como índice de um
desejo coletivo de suavizar os limites impostos tanto do ponto de vista
da concepção como da recepção.
Para além de simular as
competências lingüísticas e comportamentais humanas, é necessário
apreender a interatividade como categoria da comunicação, ou seja, um
modo singular, de comércio entre subjetividades, obedecendo a
constrangimentos particulares, onde sua "programaticidade" no sentido
informático é certamente a principal condição. Todavia, a interatividade
é considerada, ao mesmo tempo, como auto-comunicação (mensagem,
história, relato endereçado a si mesmo), e como meta-comunicação:
atualização dos programas concebidos por outros para se fabricar os
próprios programas de escrita, espaços cenográficos, circulação de
narrativas e de acesso aos bancos de dados.
Para além da ilusão, a
possível simulação mimética do sujeito humano, o "outro", numa situação
interativa, é sempre um horizonte, uma referência; não uma presença
susceptível de ser duplicada e idêntica. É mais uma perspectiva
complementária; a interatividade constrói, pois, seu spect-acteur como,
de resto, qualquer outro meio.
O autor e seu leitor interativo
Para
Landow (1992), a hipermídia representa o fim da era de autoria
individual. O autor é reconfigurado, pois sofre uma erosão, devido à
transferência de poder para o leitor, que tem, à disposição, uma série
de opções de escolha em seu percurso. Essa dissolução dos papéis do
autor e do leitor é caracterizada por Joyce (1995): "Os textos
eletrônicos se apresentam por intermédio de suas dissoluções. Eles são
lidos, onde são escritos e são escritos ao serem lidos".
Quéau
(1993) observa: "novas formas de navegação mental serão necessárias para
se reencontrar nos labirintos informacionais em constante regeneração".
No hipertexto, o leitor é também um pouco escritor, pois, ao navegar
pelo sistema, vai estabelecendo elos e delineando um tipo de leitura.
O
principal problema da leitura, agora transferido para as questões da
interatividade, é o da qualidade da resposta, qualidade da significação,
ou seja, qualidade do interpretante. É aqui que reside o nó da questão,
pois todo leitor escolhe e é escolhido. Neste sentido, o leitor
interativo deve escolher as melhores opções que lhe convêm para se
manifestar, como leitor criativo ou não. Conforme com Goethe quando diz
que "há três classes de leitores: o primeiro, que goza sem julgamento, o
terceiro julga sem gozar e o intermédio, que julga gozando ou goza
julgando: é o que propriamente recria uma obra de arte".
É
exatamente o que propõe Popper (1993): duas são as condições que devem
acontecer para que se realize a integração do indivíduo, ou do grupo, no
processo criativo: a "inventividade" e a "responsabilidade artística",
ou seja, a capacidade e o desempenho no processo criativo. Neste
sentido, o uso da interatividade no fenômeno artístico deverá ter em
conta a distinção, entre a estrutura da obra de arte e o processo
criativo que a engendrou (a poética), e ainda a relação entre espectador
e obra de arte (estética).
Para Weissberg, conduzir a passagem
para a escrita é uma das missões essenciais da educação. Tornar-se,
portanto, autor-escritor, é "utopia democrática" atrelada à
interatividade no contexto da hipermediação, que faz emergir novas
práticas de expressão/recepção.
As noções de co-autor, ou de
co-produtor, parecem, pois, muito imprecisas; referem-se não só à
colaboração de vários autores, do mesmo estatuto, como em uma produção
audiovisual, por exemplo. Entre escrita (produção de sentido) e leitura
(apropriação de sentido) há diferenças, pois ler é reescrever para si o
texto, e escrever é o encadeamento de leituras.
Entretanto, a
navegação interativa não é, ainda, uma escrita, já que toda a leitura é
uma reescrita interna do texto lido. Leitura e escrita, mesmo em
suportes estáveis, não podem ser isoladas uma da outra, pois entre a
apreensão do sentido e a criação, na escrita, interpõem-se a capacidade e
a competência com a linguagem.
Pierre Lévy encontra grandes
obras anônimas sem autor, já que esta figura emerge de uma ecologia das
mídias e de uma configuração econômica, jurídica, ideológica e social
bem particular. Não é, portanto, surpreendente que a relação autoral
possa passar para um segundo plano quando o sistema de relações sociais e
comunicacionais se transforma, desestabilizando o terreno cultural que
viu crescer a importância do autor. A proeminência do autor não
condiciona nem o alastramento da cultura nem a atividade artística. Para
este autor, os mitos, ritos e formas culturais tradicionais são
imemoriais, e a estes não se associam nenhuma assinatura, a não ser a de
um autor mítico.
É Antonio Risério, no entanto, que problematiza
a figura do autor. Partindo da distinção barthesiana entre "escritor" e
"escrevente", Risério desorganiza o coro dos contentes e partidários da
dissolução de autor. O Autor existe, diz ele. Sempre. Mesmo as criações
coletivas são feitas por criadores individuais, conhecidos ou não.
Trata-se, portanto, da "função-autor". O autor é aquele que se fecha no
"como escrever", confundindo seu ser com o ser da palavra, perdendo "sua
própria estrutura e a do mundo na estrutura da palavra" e se realizando
na palavra; como esperar que ele venha a se reduzir ao "anonimato de um
murmúrio"? Aquele que faz da linguagem uma praxis não tem poder para
renunciar à sua marca, nem será abolido por simples anseios ou
patrulhamentos ideológicos. Seria preciso emudecer (diz Risério), à
maneira de Rimbaud. Quem se reduz ao "anonimato de um murmúrio" é, por
definição, o "escrevente".
Em pleno cyberspace, todo mundo é
autor, ninguém é autor, todos somos produtores-consumidores; ou seja,
está indo solenemente por água abaixo a velha e renitente distinção
entre quem faz e quem frui. Na chamada "textualidade interativa", o que é
operativo é a poética da obra aberta em campo eletrônico digital. Para
Risério, o que está em questão é todo o eixo autor-obra-receptor, não a
dissolução do "autor". O autor providencia o espaço, a cartografia, mas
cabe ao usuário traçar o seu percurso. Nada autoriza a dizer (parodiando
Mc-Luhan) que, assim como Gutemberg nos transformou a todos em leitores
e a fotocopiadora nos converteu em editores, o computador pessoal está
fazendo com que todos sejamos autores.
Alterar textos,
diagramá-los ou os rediagramar, realizar operações de corte e montagem,
executar scripts, etc., não faz de ninguém um autor, no sentido genuíno
da expressão. A chamada "dissolução do autor" só vai se consumar fora da
esfera estética, ou seja, nos grandes sistemas hipertextuais,
extra-estéticos, que atuam na chamada "função referencial" da linguagem e
que produzem montanhas de mensagens semânticas. Acontece que este é o
mundo dos "escreventes".
O que está em questão, entendemos, é uma
"ideologia da leitura" já colocada em crise no Finnegans Wake de Joyce.
Esta obra deve ser lida como se estivéssemos consultando o I Ching,
pois a intertextualidade, se levada às últimas conseqüências, arrasta
não só a desintegração do narrativo como também a do discurso. O
significante abre brechas por onde se esvai o sentido monológico e uma
unidade estética autoral. É o que se verifica em certos textos-limites
das vanguardas do século XX, desde o Finnegans Wake até os cut-up de
William Burroughs.
Para Couchot (1997), a obra não é mais o fruto
apenas do artista, mas se produz no decorrer do diálogo, quase
instantâneo, em tempo real. Num diálogo entre modalidades de linguagem
visual, sonora, gestual, táctil, escrita, o leitor não está mais
reduzido ao olhar, ele adquire a possibilidade de agir sobre a obra e de
modificá-la, de "aumentar" e, logo, tornar-se co-autor, pois o
significado da palavra autor (o primeiro sentido de augere) é acrescer,
nos limites impostos pelo programa. Assim, o autor delega ao fruidor uma
parte de sua autoridade, responsabilidade e capacidade para fazer
crescer a obra.
A questão autoral é vista por Couchot (1997) da
seguinte forma: num processo dialógico ou de troca interativa, o
estatuto da obra, do autor e do espectador sofrem fortes alterações. Na
metáfora geométrica ou no triângulo delimitado pela obra, o autor e o
espectador vêem a sua geometria questionada, pois esse triângulo pode se
tornar um círculo onde os três elementos não ocupam posições definidas e
estanques, mas trocam constantemente estas posições, cruzam-se,
opõem-se e se contaminam.
Pier Luigi Capucci (1997) observa que a
obra de arte interativa transforma-se em evento ou processo, que possui
um código gerativo facilmente compartilhável que repropõe uma
"esteticidade difusa". A questão é política. A arte interativa é
excêntrica, pouco segura e escapa ao controle social e à autoridade do
sistema da arte, pois este tipo de obra não encerra uma "versão
oficial", produto que é da recepção lúdica, em nível sensório-motor.
Couchot,
ao levar em conta a metáfora baudelairiana "O público é, comparado ao
gênio, um relógio que atrasa", diz que a nova economia simbólica reduz
inexoravelmente o afastamento que separavam o público e o criador de seu
papel antecipador. Assim, o artista e o público estão, de agora em
diante, intimados a ler a hora no mesmo relógio de pêndulo",
homogeneizados pelo denominador comum. Todavia, o estatuto da obra, do
autor e do espectador sofre fortes alterações, trocando e invertendo
constantemente tais posições, cruzam-se, confundem-se e se contaminam.
Os
problemas gerados pelo diálogo interativo e as relações entre
autor-leitor não são novos, pois o tema da "dissolução dos autores" tem
um nome: intertextualidade; "tudo circula".
Eis, pois, a partir
de agora, a inadequação dos próprios termos, o que obriga a repensá-los
juntamente com suas relações contíguas e oscilantes. Trata-se de uma
luta entre singularidades: a do autor e a do receptor. Há que se
considerar também a "congenialidade" entre leitor e autor.
Contudo,
há também opções: "Sempre me coloquei contra esta idéia de participação
do espectador na obra de arte. À época neoconcreta, o conceito de
participação era o de dar possibilidade ao espectador de intervir na
obra, recriando-a. Acho que esta participação, por si só, não qualifica
nenhuma obra" (Amilcar de Castro –1983). E Arnaldo Jabor (2.000): "A
interatividade é uma falsificação da liberdade, já que transgride meu
direito de nada querer. Eu não quero nada. Não quero comprar nada, não
quero saber nada…".
Parafraseando Arnheim (1980), a criação da
arte não pode ser eficaz se não se tem uma idéia correta de para que
serve a arte e sobre o que versa. Para responder a esta questão, devemos
levar em conta que as várias "esferas" (Srour 1978) que se articulam na
dimensão cultural ou "universo simbólico estruturado" são a
matéria-prima das práticas culturais, são abstrações e não o próprio
real na sua concretude. Desta forma, a "esfera ideológica" como campo
nuclear da cultura (sistemas de representações, valores e crenças), a
"esfera cognitiva" (como sistema de conhecimentos científicos), a
"esfera artística" (como forma multifacetal e contraditória de
apropriação "sensível" do real) e a "esfera técnica" (modos de proceder
das várias práticas) interagem e se recobrem. Sob este aspecto, a
"esfera artística" multifacética apropria-se e interage, contraditória e
não antagonicamente, com o resto das "esferas".
É o que se
apresenta como problemática da interatividade artística e transcultural,
como abertura de terceiro grau.
Autor (a) : Julio Plaza
Fonte : http://www.iconica.com.br/arteacaso/artigos/julio_plaza.html
http://artistasvisuais.com.br/reportagemnoticia.asp?id=232