Patrimônio Arquitetônico: preservar não é apenas tombar!
Por Eliana Rezende
O que seria uma ação de preservação adequada?
Seria a preservação uma forma de recriar de forma artificial o espaço
urbano, excluindo e levando para longe aquilo que é considerado
inadequado ou indesejável?
A discussão pode ser longa e enveredar por muitos caminhos.
Em geral, tem-se a falsa noção de que uma ação de preservação ou
tombamento é tornar tudo limpo e arrumado, afastar da paisagem tudo o
que seria considerado marginal e social ou culturalmente inadequado.
Em verdade, as coisas não são bem assim. Talvez o caminho seja
esclarecermos algumas noções fundamentais. Escolho para tanto falar
sobre os conceitos de Preservação, Conservação, Restauração e
Tombamento. Tais conceitos podem ser utilizados por diferentes áreas, e
portanto, opto por estabelecer noções que sejam mais abrangentes.
Definindo e conceituando Preservação e Conservação por Eliana Rezende
A noção de preservar tem que ver com uma atitude de prevenção, é algo
que se estende a modos que implicam uma conscientização que pode ser de
um grupo, uma pessoa ou uma instituição.
O tombamento é uma medida, um ato legal, no sentido de fazer com que a
preservação se dê. Em geral é a primeira de uma série de ações. Nesse
sentido, e com esta perspectiva, a Preservação é algo muito mais
abrangente, e é bom que se diga, que nada tem a ver com uma museificação
do lugar. Ao contrário, boas ações de preservação inserem a população
local e dão um sentido de apropriação e uso do espaço.
O objetivo da Preservação longe de transformar-se em um empecilho é,
antes de tudo, garantir às gerações futuras um passado, que é composto
multifacetadamente, por aspectos que tomam toda a sua cultura de modo
que seja um Patrimônio.
Gosto de uma definição do Gilberto Gil (poeta que sabe usar as
palavras como ninguém): “pensar em patrimônio agora, é pensar com
transcendência, além das paredes, além dos quintais, além das
fronteiras. É incluir as gentes, os costumes, os sabores, os saberes.
Não mais somente as edificações históricas, os sítios de pedra e cal.
Patrimônio também é o suor, o sonho, o som, a dança, o jeito, a ginga, a
energia vital e todas as formas de espiritualidade da nossa gente. O
intangível, o imaterial.”
Falando sobre isso, assista ao vídeo de Carlos Fernando Delphim, do
IPHAN, falando sobre Patrimônio Natural e suas diferenças e semelhanças
com o Patrimônio Cultural:
A relação de comunidade e o uso de seus espaços e suas histórias
auxiliam nesse trabalho de preservação da cultura local, regional e
nacional, e dá um sentido de uso para patrimônios materiais e
imateriais.
Felizmente, vejo ventos de mudança e, com uma concepção que se alia à
sustentabilidade, muitos projetos dão vida nova à antigas funções.
O que é preciso que se diga é que são muito mais iniciativas de
consciência de um grupo do que de valores monetários. Óbvio que
precisamos dos dois! Mas as boas ideias e iniciativa nesse sentido
precedem toda e qualquer forma de valor monetário.
A concepção mais recente de preservação é interessante exatamente por
tomar em conta contextos e tessitura de vida dos espaços nas vidas
sociais de cada comunidade. Se tomada em sua verdadeira acepção todos
tem muito a ganhar. Acho uma área rica e interessante exatamente pelos
olhares multidisciplinares que são necessários.
Em relação à políticas de preservação e tombamento, há de fato muitos interesses e desinteresses.
De um lado, por responsabilidade do estado, há uma imposição que
deixa o proprietário sem recursos financeiros e numa situação difícil,
com imóvel sem cuidado e muitas vezes impossibilitado de ser ocupado
quer comercialmente, quer residencialmente. É um ônus sem qualquer bônus
ou incentivo.
De outro lado, há a total desinformação por parte de proprietários e
até de comunidades inteiras em relação ao patrimônio cultural e material
que muitas dessas edificações possuem. É um problema de educação
cultural e até de empreendimento. Se orientados, vários projetos assim
podem reverter para proprietários e em muitos casos para comunidades
inteiras.
O caminho, considero longo, mas não impossível de ser seguido.
Cada vez mais nossas cidades estarão envelhecendo e se não
entendermos que o novo e o velho podem conviver sem um suplantar o outro
não teremos futuro e nem passado!
De concreto, e sei que é algo que nenhum de nós quer ou precisa: é de uma cidade museificada.
Por outro lado, aspectos que têm a ver com o DNA da cidade precisam, e
devem, ser mantidos para que sua identidade se mantenha. Talvez esse
seja o grande desafio e em nome do que áreas interdisciplinares devam
colocar a sua criatividade e inventividade.
Um pressuposto que era próprio do século XIX, e do qual Paris foi a
cobaia, foram as políticas de Houssman, onde acreditava-se que de tão
ruim tudo deveria vir abaixo! Munidos de pólvoras e homens com suas
ferramentas, a cidade ruiu. Em seu rastro várias outras cidades seguiram
o mesmo caminho dentre os quais estão Buenos Aires, Rio de Janeiro do
Prefeito Pereira Passos e Nova York.
Continua na terça
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