Artes, Filosofia, Dança, artesanato... Nao interpretem mal gente, a inutilidade ai se da no caso de ela (a cultura)despertar aquela pergunta "mas voce faz o que para viver" ou seja, cultura enriquece a pessoa intelectualmente porem nem sempre é rentavel e tem que gostar mesmo para se sobressair a tantas criticas e dificuldades. Leiam que o texto é interessante. E ainda bem mesmo que ela é inutil!!! :)
A cultura é inútil, felizmente, por Juan Peces
O noticiário policial de 26 de dezembro de 2013 em Paris relata que
um escritor desesperado, farto de instituições indiferentes à sua paixão
pela cultura, arremessou seu carro contra os portões gradeados do
Palácio do Eliseu. O motorista, Attilio Maggiulli, não pôde suportar o
que considerava um desprezo oficial ao projeto da sua vida, o Théâtre de la Comédie Italiénne
– que perdeu quase 50% de financiamento público em três anos –, e não
encontrou melhor maneira de apresentar suas queixas do que carimbar sua
indignação contra a residência oficial da presidência da República
Francesa.
Até aqui tem-se o resumo da história de Maggiulli. A notícia remete,
no entanto, à história de outro escritor indignado, o professor italiano
Nuccio Ordine* (nascido em Diamante, região da Calábria, daí o nome
Diamante Ordine em sua certidão de batismo). Com personagens iguais ou
parecidos – uma cultura apunhalada, uma educação asfixiada e um povo
adormecido –, Ordine, de 55 anos, preferiu usar a palavra para atacar a
ignorância das instituições e alertar sobre seus efeitos para a
cidadania. Se deixarmos que nos roubem o legado de nossos antepassados e
que se mutile o conhecimento, alerta, não apenas deixaremos de ser
pessoas cultas, como também todas as gerações futuras deixarão de ser
pessoas em sentido estrito.
O veículo usado por Ordine para seu grito profético é o manifesto chamado L’utilità dell’inutile (“A utilidade do inútil”, sem tradução no Brasil).(...)
A tese central do livro pode ser resumida na ideia de que a
literatura, a filosofia e outros conhecimentos humanísticos e
científicos, longe de serem inúteis – como se poderia deduzir por seu
progressivo isolamento nos planos educacionais e nos orçamentos
ministeriais –, são imprescindíveis.
“O fato de [tais conhecimentos]
serem imunes a qualquer expectativa de benefício” representa, segundo o
autor, “uma forma de resistência aos egoísmos do presente, um antídoto
contra a barbárie do útil, que chegou a corromper inclusive nossas
relações sociais e nossos afetos íntimos”.
Como em um coro grego, Nuccio Ordine monta uma defesa do conhecimento
apoiando-se nos autores que o precederam em sua empreitada. Dante,
Petrarca, (...), Hugo, Montaigne… Eles são recrutados e
contextualizados para mostrar “o peso ilusório da posse e seus efeitos
devastadores sobre a dignitas hominis, o amor e a verdade”.
Por que este livro? “Há 24 anos venho tentando convencer meus alunos
de que não se frequenta a universidade para obter um diploma, mas para
tentarmos ser melhores, isto é, para aprendermos a raciocinar de forma
independente.” Para Ordine, a transmissão do amor pelo conhecimento é um
esporte de combate. E isso implica desmontar algumas ideias
materialistas difundidas pelo sistema capitalista. “As pessoas pensam
que a felicidade é um produto do dinheiro. Estão enganadas!”, afirma.
Tal pretensão já se estendeu para todos os âmbitos. “O utilitarismo
invadiu espaços aonde nunca deveria ter entrado, como as instituições
educativas”, denuncia o professor. E alerta: “Quando se reduz o
orçamento para as universidades, escolas, teatros, pesquisas
arqueológicas e bibliotecas, a excelência de um país está sendo
diminuída, eliminando qualquer possibilidade de formar toda uma
geração”.
O autor também se apoia em um discurso de Victor Hugo – em 1848! –
diante da própria Assembleia Constituinte da França, onde o escritor
pronunciou estas palavras: “As reduções propostas no orçamento especial
das ciências, das letras e das artes são duplamente perversas. São
insignificantes do ponto de vista financeiro, e nocivas de todos os
outros pontos de vista”. Ordine diz que, ao ler esse discurso, deu um
pulo até o teto e se apropriou das teses de Hugo ao afirmar (exclamar,
na verdade) que “nas épocas de crise é que se deve dobrar o orçamento
para a cultura!”.
O manifesto inclui também um texto premonitório de Abraham Flexner,
publicado em 1939, que prega a importância da ciência. “Queria que
ficasse claro que a defesa do inútil [o que não é ligado ao
objetivo de lucro] não diz respeito somente a escritores e humanistas,
mas é uma luta que também preocupa os cientistas”, explica Ordine. “O
Estado não pode renunciar à ciência básica [por causa dos benefícios
advindos]; por isso escrevi um capítulo dedicado às universidades
entendidas como empresas.”
A Utilidade do Inútil não é apenas uma série de argumentos
contra a tendência ao utilitarismo ou o “comércio satânico”
(Baudelaire): é também um manual para superar o que o autor do livro
chama de “o inverno da consciência” e para lembrar, com Montaigne, que
“é o desfrutar, não o possuir, que nos faz felizes”.
*Nuccio Ordine é filósofo e professor de literatura italiana da
Universidade da Calábria. Lecionou na Universidade Yale, na Universidade
de Nova York, na Sorbonne (Paris) e no Instituto Warburg (Londres).
Desde 2012, é cavaleiro da Legião de Honra francesa. A Utilidade do
Inútil é o seu mais recente ensaio.
Fonte: El País
http://defender.org.br/artigos/a-cultura-e-inutil-felizmente-por-juan-peces/
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