A CENTRALIDADE DA CULTURA NO DESENVOLVIMENTO parte 2
Cultivar é ordenar e sistematizar um conhecimento, nascido de um conjunto de valores, transformando-o em uma ou mais práticas. Não se pode ter dúvida que o desenvolvimento de uma sociedade humana é a tradução mais corriqueira de um processo civilizatório mais amplo. Projetar o desenvolvimento de uma sociedade é, em última instância, idealizar um modelo de civilização.
A afinidade entre cultura e civilização é tão grande que
costumeiramente são confundidas. Para determinadas correntes de
pensamento do século XVIII e XIX elas foram sinônimas. De uma coisa,
entretanto, não se pode ter dúvida. A civilização é um projeto de
sociedade formado por valores e por uma visão de mundo, corporificados
em instituições e representações sociais e políticas; em suas
realizações e em seu modo de vida. É evidente, por tudo isto, que a base
de uma civilização são suas culturas.
Todo desenvolvimento material corresponde a um dado desenvolvimento
intelectual. São interdependentes, faces de uma mesma moeda. A ninguém
espanta que cultura e conhecimento também estejam permanentemente sendo
confundidas. Não é para menos, a tradução que fazemos da vida está
condicionada ao conhecimento que dela temos. A qualidade de vida numa
sociedade humana depende das culturas que nela predominam.
Depende das
ideias predominantes sobre o valor da vida humana, das necessidades
criadas pela nossa existência coletiva, dos modos de satisfazer as
necessidades básicas e de criar formas mais variadas de aproveitar a
própria vida. Todas as nossas necessidades são construídas
culturalmente ao longo da História, mesmo que sejam as mesmas em
qualquer lugar e época. Isso significa que a própria noção de
“desenvolvimento” está carregada de valores.
Especialmente no mundo contemporâneo, não temos como falar em
desenvolvimento sem questionar a sua sustentabilidade. O desafio de
buscar um desenvolvimento sustentável já é em si mesmo expressão de
confronto com um modo de ser que ainda hoje é hegemônico.
(...). Vivemos num
século em que se evidencia a irracionalidade do estilo ocidental de
desenvolvimento, construído com base em valores culturais forjados em
uma visão de mundo etnocêntrica e antropocêntrica, que marcou e têm
ainda marcado em muito o pensamento científico ocidental.
(...). Como vemos, é a cultura, em suma, quem lhe dá os
contornos e as coordenadas de sua ampliação. A questão ambiental, que a
busca por um desenvolvimento sustentável nos impõe, está a nos exigir
outra sensibilidade e visão de mundo. (...)
Meio ambiente não se confunde com a natureza, ele nasce da relação do
homem com ela. É resultado de um propósito civilizatório. Não existe sem
uma cultura(...).
Temos uma história que não é apenas “natural”, que também é cultural,
urdida por uma natureza muito particular: a humana. A chamada luta contra a natureza
foi um dos maiores motes do processo civilizatório ocidental até a bem
pouco tempo. A palavra cultura (...) nasce no
centro da invenção de uma dicotomia e de um conflito entre o homem e
natureza. Está na raiz de sua definição ser algo que nasce em oposição
ao natural. Sua meta, em primeira instância, está associada à superação
da condição de primata.
Cultivar é de fato alterar a ordem natural das coisas; a agricultura e
o fogo foram nossas duas primeiras interferências no meio ambiente. A
cultura passou a ser o nosso grande diferencial frente aos outros
animais (...).
Não é demais repetir: temos que ter em mente, a questão ambiental é,
sobretudo, uma questão cultural, que envolve mudança de sensibilidade,
comportamento e visão de mundo.
(...)Não
costumamos ver a cultura como uma necessidade básica. Temos que entender que sem uma radical mudança de
valores, não há salvação para a vida do homem no planeta. (...)Carecemos de outra visão do que seja
desenvolvimento (...).
Foi assim, com essa visão do papel estratégico que cabe à cultura no
desenvolvimento de nosso país, sentimos a necessidade de ampliar o raio de compreensão da
ideia de cultura (...). Eliminamos as caixinhas que o
restringiam ao mundo das artes e da literatura. Redesenhamos a sua
estrutura institucional para uma atuação mais ampla em
todos os sentidos. Sabíamos que tínhamos que ativar todo o corpo
cultural brasileiro.
(...)Precisávamos desconcentrar a nossa política
cultural, trazer para o seu raio de ação expressões culturais até então
sem acesso ao apoio do Estado.
Precisávamos ir ao encontro da diversidade cultural brasileira,
enfim. Sabíamos que toda forma de cultura vale a pena. Estamos
convencidos de que nossa grande contribuição a um mundo globalizado é a
nossa diversidade cultural.(...) Aliás, nossa singularidade é mesmo a nossa pluralidade.(...)
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