O texto de hoje é de uma pessoa de fora do Brasil por isso as referencias em ingles. Ele conta a influencia que a arquitetura tem sobre nos. Consequentemente e indiretamente ele fala tambem sobre a cultura. Como é longo foi dividido em 2 partes
Como a herança arquitetônica forma nossa experiência de lugar,
por F. Kaid Benfield
Venho tentando entender o que faz os lugares históricos tão especiais
para tantos de nós. Parte da razão é que eles são relativamente raros
nos Estados Unidos, eu acho. Durante várias décadas, nossa nova
arquitetura cotidiana – nossas subdivisões, os blocos comerciais,
prédios de escritórios – tem sido ao mesmo tempo insossa e mortalmente
entediante em sua consistência.
Todos lugares se parecem entre si, ou pelo menos parece ser assim.
Apesar de isso não ser literalmente verdadeiro – alguns prédios
empolgantes são construídos e erguidos, novos lugares nutritivos estão
sendo concebidos –, os nossos melhores prédios e bairros antigos têm uma
distinção própria quase automática.
Mas também acho que talvez exista algo mais profundo acontecendo.
Gravitamos para lugares antigos porque eles nos colocam no chão temporal
e espacialmente. Também há uma literatura emergente nos ensinando que
eles funcionam muito bem. Não quero fingir ter todas as respostas, mas
eis alguns conceitos que gostaria de trazer para consideração.
- Continuidade de lugar
Deixe-me começar com um conceito que vou chamar de continuidade de
lugar. Todos tivemos a experiência de estar num lugar que foi bastante
transformado – pela demolição de um grupo de edifícios, talvez, ou pela
construção de novos prédios – desde a última vez em que ali estivemos.
Às vezes a mudança pode acontecer em só uma semana. As coisas parecem
meio erradas, fora do lugar. Geram ansiedade, enquanto tentamos nos
localizar e procurar na memória como as coisas eram antes. Essa ruptura
na continuidade pode ser irritante.
No ano passado, Tom Mayes escreveu um artigo para o Preservation Leadership Forum que considera as associações positivas que temos com a continuidade:
“A ideia de continuidade é que, num mundo em constante mudança,
lugares antigos dão às pessoas a sensação de fazer parte de um contínuo
necessário para a saúde mental e psicológica. Essa é uma ideia que há
muito tempo é reconhecida como um valor subjacente à preservação
história, apesar de nem sempre explicado. Em With Heritage So Rich (em
tradução livre, com um patrimônio histórico tão rico), a ideia de que a
continuidade é capturada na frase ‘senso de orientação’, a ideia de que
a preservação dá “um senso de orientação para nossa sociedade, usando
estruturas e objetos do passado para estabelecer valores de tempo e
lugar.”
Mayes cita um ensaio do internacionalmente conhecido arquiteto Juhani
Pallasmaa, que reforça o conceito de tempo em relação à nossa
experiência de lugares antigos:
“Temos uma necessidade mental de sentir que temos raízes no
contínuo do tempo. Não habitamos somente o espaço, mas moramos também no
tempo… Prédios e cidades são museus do tempo. Eles nos emancipam da
pressa do presente e nos ajudam a experimentar o tempo lento e saudável
do passado. A arquitetura nos permite ver e entender o processo lento da
história e participar de ciclos temporais que vão além do escopo de uma
vida individual.”
Isso soa verdadeiro para mim. Há algo reconfortante em lugares antigos.
- Pesquisa sobre ligação a lugares e continuidade
De fato, isso já foi comprovado por pesquisas acadêmicas
internacionais. Pesquisando o tópico para este artigo, encontrei um
trabalho do professor malaio Norsidah Ujang sobre “Ligação com Lugares e Continuidade da Identidade de Lugares Urbanos”
Ujang argumenta que conceitos uniformes de planejamento e a
“comoditização dos lugares” – tudo parecido com todo o resto –
enfraquecem a identificação e a ligação com certos lugares. Depois de
questionar sistematicamente 330 usuários de três ruas comerciais
importantes de Kuala Lumpur, os pesquisadores concluíram que a
familiaridade com um lugar contribui para sensações de conforto
psicológico, enquanto “desconforto psicológico e fortes expressões
emocionais” são “fortemente sentidos como reação contra mudanças físicas
e intervenções inadequadas”.
O estudo recomenda que planejadores urbanos tomem medidas para
reforçar a identidade de lugar e a legibilidade, em vez de rompê-las, e
busquem “garantir a continuidade da identidade de lugar por meio do
entendimento dos lugares como dimensões físicas, sociais e psicológicas
da experiência humana”.
Outro aspecto importante do nosso legado arquitetônico compartilhado é
que ele é, de fato, compartilhado. Nossas experiências e sentimentos de
conforto pela continuidade dos lugares antigos são coletivos, não
individuais. A praça central e o fórum, talvez também a velha igreja e a
antiga escola – até mesmo as mansões vitorianas enfileiradas na rua
próxima – nos unem, e essa coesão diminuiria se o lugar mudasse
rapidamente. O legado desses lugares e construções não é apenas meu, mas
nosso.
- Engajamento cultural
Intimamente ligado à continuidade de lugar, mas um pouco diferente,
acredito, é algo que chamarei de engajamento cultural. Lugares antigos
que não são familiares e com os quais não tivemos continuidade também
podem provocar experiências positivas poderosas. Imagine alguém vendo as
grandes pirâmides de Gizé pela primeira vez, ou um pueblo de índios
americanos. Esses lugares são mágicos justamente porque temos pouca ou
nenhuma experiência prévia, ou continuidade, com eles.
Em vez de nos confortar com sua familiaridade, esses lugares desafiam
nossa imaginação ao invocar outros tempos e ao nos conectar com
culturas passadas de maneiras a que não estamos acostumados.
Eles nos
educam e nos equipam com uma visão de mundo mais ampla e profunda – uma
visão que nos liga com a sabedoria do passado –, a qual podemos então
trazer para nossa existência contemporânea.
Tenho um exemplo favorito, mas mais modesto, que coloco em meu novo livro People Habitat: 25 Ways to Think About Greener, Healthier Cities
(Habitat das pessoas: 25 maneiras de pensar em cidades mais verdes e
mais saudáveis, em tradução livre). A apenas alguns quilômetros da minha
casa, logo depois da fronteira de Maryland com Washington DC, há um
parque de diversões antigo e parcialmente restaurado, da era Art Déco. O
antigo carrossel ainda funciona durante a temporada e deleita as
crianças; você ainda pode comer algodão doce por lá. Mas não é mais um
parque de diversões – não há montanha russa, e o salão onde ficavam os
carrinhos de trombar hoje é usado de vez em quando para shows. Com
certeza é diferente de qualquer parque de diversões que eu já vi na
vida.
Hoje, ele existe com um lugar de descanso para adultos e de
brincadeiras para as crianças e como uma evocação de um parque de
diversões, em vez de um parque 100% funcional. Ele desafia o visitante a
trazer consigo sua imaginação, para que nos encontremos na metade do
caminho: como uma expressão parcial de um passado e uma cultura que não
existem mais da mesma maneira. Vou sempre ao Glen Echo Park porque, além
de estar no caminho de um dos meus roteiros de treino de bicicleta, eu o
amo de um jeito que não amaria se ele fosse novo, mesmo que fisicamente
o parque fosse igual. Ele faz uma ligação com conexões culturais que
não existiriam se eu soubesse que o lugar não teve uma história anterior
para dividir com seus visitantes.
continua dia 29/07
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